Hoje, 11 de setembro, o Brasil comemora o Dia Nacional do Cerrado, bioma fundamental que ocupa cerca de 23% do território nacional. Comumente conhecido como “berço das águas”, o Cerrado abriga nascentes de oito das doze maiores bacias hidrográficas brasileiras, incluindo os rios São Francisco, Paraná e Tocantins. No entanto, esse ecossistema único está gravemente ameaçado pelo desmatamento desenfreado, a expansão do agronegócio e as mudanças climáticas. A urgência de sua proteção nunca foi tão grande, especialmente em um ano que registra a maior seca da história do país.
A seca de 2024: impactos profundos no Cerrado
O ano de 2024 tem sido marcado pela maior seca já registrada no Brasil, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). A redução significativa das chuvas, aliada ao uso descontrolado de recursos hídricos para irrigação, tem comprometido drasticamente a capacidade do Cerrado de sustentar suas nascentes e cursos d’água. Os rios que nascem no Cerrado não só abastecem o Brasil, mas também têm papel estratégico para países vizinhos na América do Sul.
Essa situação é ainda mais preocupante ao considerar que o Cerrado não recebe a mesma atenção e recursos para conservação que a Amazônia. O bioma é constantemente negligenciado em políticas ambientais e, embora abrigue 5% da biodiversidade mundial, recebe menos de 10% do financiamento para proteção ambiental, de acordo com dados do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
Desmatamento e agronegócio: uma relação delicada
A destruição do Cerrado para expansão agrícola não é um fenômeno novo, mas vem crescendo de forma acelerada nas últimas décadas. Entre 2001 e 2022, mais de 30% da cobertura original do bioma foi desmatada. O desmatamento médio anual do Cerrado (15 mil km²) supera o da Amazônia (13 mil km²), tornando-o o bioma mais ameaçado do Brasil em termos proporcionais. Esse avanço é particularmente impulsionado pelo crescimento da produção de grãos, como soja e milho, e pela pecuária extensiva, setores fundamentais para a economia brasileira.
A região do Matopiba (composta por áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) tornou-se o novo “frontier agrícola” do Brasil. A localização estratégica dessa região, com clima favorável e solos relativamente planos, atrai investimentos nacionais e internacionais. No entanto, essa expansão tem um preço: a perda irreversível de habitats naturais, a degradação do solo e o esgotamento dos recursos hídricos. Segundo o MapBiomas, a conversão de áreas de Cerrado em lavouras foi responsável por mais de 85% do desmatamento entre 2020 e 2023.
Apesar da importância econômica, a falta de práticas sustentáveis na agricultura tem gerado desequilíbrios ambientais severos. As queimadas, muitas vezes usadas como método de preparação do solo, intensificam o ciclo de degradação. Em 2023, o Cerrado registrou mais focos de incêndio do que a Amazônia, e a situação em 2024 já se mostra ainda mais grave, com 61% das queimadas do Brasil concentradas no bioma, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
O papel do Ministério Público na preservação
Frente a esses desafios, o Ministério Público tem desempenhado um papel crucial na proteção do Cerrado, particularmente no estado do Tocantins, uma das regiões mais afetadas pela expansão agrícola. O Ministério Público do Tocantins (MPTO) intensificou suas ações nos últimos anos, com foco na fiscalização de propriedades rurais, investigação de crimes ambientais e monitoramento do uso de recursos hídricos. O MPTO conta com ferramentas tecnológicas, como o *Radar Ambiental*, que fornece dados em tempo real sobre desmatamento e queimadas, permitindo uma atuação mais eficiente.
Além das ações judiciais, o MPTO também tem buscado promover acordos extrajudiciais com grandes empreendimentos agroindustriais, com o objetivo de assegurar a regularização ambiental e incentivar práticas agrícolas mais sustentáveis. Até o momento, cerca de 1900 procedimentos relacionados a questões ambientais estão em andamento, envolvendo desde desmatamento ilegal até a falta de licenciamento ambiental.
O trabalho do Ministério Público é reforçado por iniciativas como o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) e o Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma), que atuam de forma coordenada para garantir uma fiscalização abrangente e o cumprimento das leis ambientais.
Biodiversidade: um patrimônio em risco
Além de sua importância hídrica, o Cerrado é um dos biomas mais biodiversos do planeta. Estima-se que 12 mil espécies de plantas estão presentes no bioma, das quais cerca de 35% são endêmicas, ou seja, não existem em nenhum outro lugar do mundo. Em termos de fauna, o Cerrado abriga 199 espécies de mamíferos, 837 espécies de aves e mais de 1200 espécies de peixes. Entre os animais mais emblemáticos do bioma estão o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e a onça-pintada, todos em risco devido à perda de habitat.
O desmatamento e as queimadas também ameaçam as espécies vegetais do Cerrado, muitas das quais são utilizadas na medicina tradicional ou têm potencial econômico, como o pequi, o baru e o buriti. A destruição dessas áreas pode levar à extinção de espécies antes mesmo de serem completamente estudadas pela ciência, eliminando potenciais benefícios medicinais e econômicos.
Comunidades tradicionais e o Cerrado
Outro aspecto muitas vezes negligenciado é a presença de comunidades tradicionais que habitam o Cerrado há séculos, como quilombolas, indígenas e pequenos agricultores. Essas populações dependem diretamente dos recursos naturais do bioma para sua subsistência, utilizando práticas sustentáveis de manejo da terra que garantem a renovação dos recursos ao longo do tempo.
No entanto, essas comunidades estão sendo cada vez mais pressionadas pela expansão agrícola e pelo avanço de grandes empreendimentos. A luta por territórios tradicionais e pela conservação de suas práticas culturais é um desafio crescente. O desmatamento compromete não apenas o equilíbrio ecológico, mas também a diversidade cultural do Brasil.
A falta de conscientização e a importância da educação
Um dos maiores desafios para a preservação do Cerrado é a falta de conscientização da população sobre sua importância. Segundo uma pesquisa realizada em 2023 pela iniciativa “Sou Cerrado”, 70% dos brasileiros desconhecem que o Cerrado é o berço das águas do país. Além disso, 30% não sabiam da existência de rios ou nascentes no bioma. Esse desconhecimento contribui para a falta de mobilização popular em defesa do Cerrado, contrastando com a visibilidade e os esforços globais voltados para a Amazônia.
Campanhas como a “Sou Cerrado”, que ilumina monumentos nacionais em verde, incluindo o Cristo Redentor e o Obelisco do Ibirapuera, são fundamentais para chamar a atenção para a importância da preservação desse bioma. A educação ambiental, tanto nas escolas quanto nos meios de comunicação, é uma ferramenta crucial para sensibilizar a população sobre os riscos que o Cerrado enfrenta.
O futuro do Cerrado: desenvolvimento ou colapso?
O futuro do Cerrado está em uma encruzilhada. De um lado, a expansão econômica impulsionada pelo agronegócio continua a devastar grandes áreas do bioma. De outro, iniciativas de conservação tentam frear o avanço da degradação. No entanto, sem políticas públicas eficazes que conciliem o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental, o Cerrado pode estar à beira de um colapso irreversível.
Neste Dia Nacional do Cerrado, é fundamental refletir sobre a importância desse bioma para o Brasil e o mundo. A preservação do Cerrado não é apenas uma questão ambiental, mas também uma questão de segurança hídrica, alimentar e climática. Sem o Cerrado, o Brasil corre o risco de perder sua capacidade de sustentar suas bacias hidrográficas e de enfrentar as mudanças climáticas de forma resiliente. A hora de agir é agora.
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