O FIM DA ESTABILIDADE?

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 06/11/2024, proferiu decisão que alterou significativamente o panorama da contratação de servidores públicos no Brasil. A decisão valida a possibilidade de contratação de novos servidores pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A Emenda Constitucional 19/1998, que alterou o caput do artigo 39 da Constituição Federal, prevendo a possibilidade de diversificar os regimes de contratação, após ficar 17 anos suspensa por decisão liminar, foi agora declarada constitucional pelo STF, abrindo caminho para a contratação de celetistas em emprego público.

A decisão do STF não afeta os servidores públicos efetivos atualmente em atividade, que continuarão sob o regime estatutário, com direitos previstos na legislação do ente público a que estão vinculados e com a garantia de estabilidade. Para novos servidores, a decisão dos gestores de contratação sob o regime CLT significa o fim da estabilidade e a aplicação dos direitos previstos na CLT, comuns aos trabalhadores do setor privado. A única forma de acesso ao serviço público, tanto para o cargo quanto para o emprego público, continua sendo via concurso público.

Para Estados e Municípios cujas constituições e leis orgânicas adotaram o regime jurídico único, a implementação dessa mudança depende de novos marcos legais que precisam ser aprovados pelo Legislativo e sancionados pelo Executivo. Aqueles que adotaram a redação do artigo 39 da Constituição Federal dada pela Emenda 19/1998, podem desde já realizar a contratação pelo regime da CLT, se assim decidirem. Para a maioria dos Estados e Municípios, situados na primeira hipótese, há um caminho legislativo a ser percorrido para que essa nova forma de contratação seja efetivamente adotada. Importante destacar que a mudança não se aplica às carreiras consideradas típicas de Estado, como diplomatas, auditores da Receita Federal, Segurança Pública, Judiciário e Controle Interno. Esses servidores continuarão a ser contratados sob o regime estatutário.

Os servidores públicos contratados pelo regime da CLT contribuirão para o Regime Geral de Previdência e, deste mesmo regime, receberão os benefícios previdenciários. A contratação de servidores públicos pela CLT gera preocupações quanto ao impacto nos Regimes Próprios de Previdência. Os servidores públicos efetivos contribuem para regimes próprios de previdência social (RPPS), que são sistemas previdenciários específicos, em regra, mais vantajosos em termos de benefícios, como aposentadoria integral ou proporcional ao tempo de serviço, base de cálculo mais vantajosa e aproveitamento de contribuições diferenciadas em relação ao Regime Geral de Previdência.

A contratação dos novos servidores sob o regime da CLT pode impactar a sustentabilidade financeira dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), pois o número de contribuintes e de contribuições para estes regimes diminuirá ou ficará estagnado, enquanto o número de aposentados e pensionistas e a despesa aumentarão. Para garantir a viabilidade do RPPS no futuro, os gestores públicos poderão ser forçados a adotar novas reformas previdenciárias, como o aumento de alíquotas de contribuição dos servidores, redução de benefícios ou até a extinção gradual do sistema para novas categorias.

Para os novos servidores, a contratação pelo Regime da CLT implica em custos menores no curto prazo, mas no longo prazo em benefício de aposentadoria inferior ao oferecido pelos RPPS, em especial naqueles que não adotaram na integralidade as disposições da Emenda Constitucional 103/2019.

A adoção de duplo regime de contratação, aliada à possibilidade de terceirização, dividirá os servidores públicos em subgrupos, com direitos previstos em normas distintas, com centros positivadores distintos. A servidores públicos, exercendo uma mesma função, poderão ser atribuídos direitos distintos. A reivindicação de direitos pelos servidores públicos e seus sindicatos também ficará difusa, diminuindo a possibilidade de pressão e de conquista de novos direitos e/ou manutenção dos direitos atuais. Contudo, a adoção da contratação pelo regime da CLT não impede Estados e Municípios de estenderem aos empregados públicos outros direitos, além dos previstos na CLT, nem os impede de estabelecer plano de cargos e salários.

A contratação pelo regime da CLT, com menor número de direitos e retribuição financeira, aliada ao fim da estabilidade, coloca em dúvida a atratividade dos concursos e a seletividade dos mais preparados. Em consequência, a qualidade na prestação dos serviços públicos poderá ser prejudicada, afetando a população que depende dos serviços públicos.

O cenário futuro é incerto. Nenhum ente público está obrigado a adotar o duplo regime de contratação. O impacto nos regimes de previdência próprios, a qualidade na prestação dos serviços e o conjunto das despesas deverão estar no radar dos gestores ao discutir a nova forma de contratação. É o fim do Regime Jurídico Único e da estabilidade, mas o serviço público e os servidores continuarão.

Gabriel França Daltoé é advogado, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, com sólida atuação de 8 anos nas áreas trabalhistas e na defesa dos direitos de servidores públicos. É sócio proprietário do GABRIEL FRANÇA DALTOÉ – SOCIEDADE DE ADVOGADOS e também integra a sociedade do FDBR ADVOGADOS.

Seu perfil no Instagram é @gabrieldaltoe.

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