A introdução da inteligência artificial (IA) em diversos campos da vida moderna trouxe avanços tecnológicos significativos, mas também acendeu debates éticos e filosóficos sobre suas limitações, especialmente em áreas que dependem da subjetividade e da experiência humana. Na psicanálise, uma prática que requer escuta sensível, empatia e intuição, as limitações da IA se tornam evidentes.
De acordo com a psicanalista Rosane Trapaga, supervisora clínica no Instituto Psicanálise em Movimento e autora do livro Escutas em Análise: A Subjetividade no Divã, a prática psicanalítica é essencialmente humana e, por isso, não pode ser substituída por sistemas automatizados. “A IA, apesar de sua capacidade de analisar padrões e processar grandes volumes de dados, não compreende a profundidade da experiência emocional, nem é capaz de interpretar as nuances do inconsciente, que são centrais na psicanálise”, afirma Trapaga.
A Subjetividade que a IA Não Alcança
A psicanálise se diferencia de outras abordagens terapêuticas ao priorizar a singularidade do sujeito, levando em consideração a história, os traumas e os desejos que constituem cada indivíduo. Segundo Trapaga, a IA não possui o referencial ético baseado em vivências humanas, e suas respostas, mesmo quando aparentemente coerentes, carecem de autenticidade emocional.
“Um sistema de IA pode reconhecer padrões em dados ou até simular empatia, mas não vive as experiências que fundamentam essas interpretações”, ressalta a especialista. Isso se torna especialmente crítico em casos de traumas complexos, onde o analista depende de sinais não verbais e da própria experiência humana para construir interpretações profundas.
O Papel da Falta e do Desejo
Conceitos fundamentais na psicanálise, como o desejo e a falta, não podem ser reproduzidos ou compreendidos por sistemas artificiais. Enquanto os humanos experimentam sofrimento, prazer e os significados subjacentes a essas vivências, a IA opera exclusivamente com base em dados preexistentes. “O inconsciente, com sua lógica singular, escapa completamente à capacidade de interpretação automatizada. A escuta de um analista é permeada por experiências emocionais e simbólicas que a IA não possui”, explica Trapaga.
Além disso, a improvisação, uma habilidade humana essencial em sessões de análise, é impossível para a IA, que segue padrões rígidos de programação. Essa incapacidade reflete uma limitação estrutural da IA em compreender e interagir com as profundezas da psique humana.
Questões Éticas e Riscos da Automação
A dependência excessiva de sistemas de IA em áreas como educação, psicologia e psicanálise também levanta preocupações éticas. Trapaga alerta que a alienação de experiências autênticas pode empobrecer a vivência humana. “Quando delegamos a mediação de questões tão íntimas a sistemas artificiais, corremos o risco de reduzir a singularidade das experiências a interpretações genéricas, desconsiderando a subjetividade que nos torna únicos.”
Embora a IA possa ser útil em triagens iniciais ou na organização de dados clínicos, Trapaga defende que sua integração deve ser feita com cautela e responsabilidade. A relação analítica, fundamentada na empatia e na confiança, não pode ser substituída por interações mediadas por máquinas.
A Singularidade Humana no Centro da Psicanálise
Para Trapaga, a essência da psicanálise reside na escuta singular e na presença emocional do analista, algo que a tecnologia não pode replicar. “A prática psicanalítica é uma experiência única, baseada em uma troca viva e subjetiva. Não se trata apenas de identificar padrões ou oferecer soluções, mas de acompanhar o sujeito em sua jornada de autoconhecimento e reconstrução.”
A autora conclui destacando a importância de valorizar as experiências humanas em um mundo cada vez mais automatizado. “A autonomia e a profundidade das vivências são elementos insubstituíveis. A singularidade de cada sujeito precisa permanecer no centro da prática clínica.”
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