A circulação de boatos sobre um suposto surto de cólera no Brasil reacendeu o alerta sanitário em diversos estados, especialmente no Centro-Norte do país. Em Goiás e Tocantins, as secretarias estaduais de saúde se pronunciaram oficialmente para negar a existência de qualquer caso confirmado da doença. Ainda assim, a repercussão de relatos sintomáticos e a disseminação nas redes sociais geraram preocupação entre a população e mobilizaram ações emergenciais de vigilância e monitoramento.
No Tocantins, a Secretaria Estadual da Saúde (SES-TO) foi categórica: “Até o momento, não fomos informados sobre nenhum caso suspeito da doença no Tocantins.”
Em Goiás, a Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO) também descartou qualquer surto: “Não há registro de casos confirmados em Goiás. Os casos suspeitos já foram descartados. Reforçamos que não houve nenhum rumor oficial sobre surto. Seguimos com o cumprimento rigoroso do Plano de Contenção Nacional.”
Apesar do desmentido oficial, a força do boato nas redes, aliada a um aumento de quadros de diarreia, vômitos e febre, tem levado muitas pessoas a associarem os sintomas à cólera. A Secretaria de Saúde de Goiás informou que novas verificações foram feitas nos bancos de dados epidemiológicos, sem detecção de registros. Mesmo assim, a pasta confirmou que acionará a Vigilância Sanitária de Goiânia para ampliar o mapeamento e averiguar os relatos populares.
Capacitações e plano de contenção foram reativados
A SES-GO explicou que, desde o alerta internacional emitido em 2022 — após o aumento expressivo de casos de cólera em países da África, Ásia e Caribe —, ações preventivas foram incorporadas à rotina dos profissionais da saúde.
Entre as medidas em vigor estão:
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Apresentações técnicas sobre cólera em treinamentos regulares
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Adoção de protocolos nacionais de monitoramento e investigação
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Integração entre laboratório estadual de referência e vigilância técnica
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Cumprimento rigoroso do Plano Nacional de Contenção da Cólera, do Ministério da Saúde
Especialistas apontam que o Brasil não registra surtos da doença desde o início dos anos 2000, após a erradicação de focos vinculados a precariedade hídrica e alimentar em algumas regiões do Nordeste. Ainda assim, o país mantém protocolos ativos de contenção e vigilância laboratorial.
Desigualdade no acesso à saúde: relatos da elite e da periferia de Goiânia escancaram distâncias
Se nas estatísticas oficiais não há registro da doença, nas ruas o cenário é outro. Relatos como os da artista plástica Luísa Arista, moradora do bairro nobre Jardim Goiás, e do motorista de aplicativo João Marcos Ferreira, residente no periférico Jardim Curitiba, revelam percepções distintas — mas igualmente alarmadas — sobre os sintomas vivenciados.
“Acordei de madrugada com enjoo, diarreia, febre e vômito. Senti tudo o que dizem que dá na cólera. Fui direto para um hospital privado aqui na região sul, me hidrataram na veia e mandaram fazer exame. Não falaram que era cólera, mas também não disseram o que era. Só que era uma virose gastrointestinal. E passou”, contou Luísa Arista, 42 anos, ao Diário Tocantinense.
Já na outra ponta da cidade, João Marcos, 33 anos, teve atendimento bem mais limitado:
“Os mesmos sintomas: dor de barriga, febre, tremedeira. Fui ao postinho do Jardim Curitiba. Deram dipirona e um soro. Disseram que era virose. Mas como pode todo mundo aqui em casa passar mal assim de uma vez? Ninguém fala nada, só mandam descansar em casa.”
Os relatos — ainda não oficialmente catalogados — acendem o debate sobre desigualdade no acesso a diagnósticos precisos, qualidade do atendimento e comunicação de risco entre os diferentes estratos da população.
Cólera no Brasil: o que se sabe sobre o risco atual
A cólera é uma infecção intestinal aguda causada pela bactéria Vibrio cholerae, geralmente transmitida por meio de água ou alimentos contaminados. A doença provoca diarreia intensa, vômito e pode levar à desidratação grave, com risco de morte se não tratada rapidamente. É considerada uma doença de notificação compulsória, o que significa que qualquer suspeita deve ser registrada e informada às autoridades sanitárias.
Desde 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu alertas sobre a recrudescência da doença em contextos de crise sanitária internacional, sobretudo em áreas com infraestrutura precária. O Brasil, no entanto, não possui registros endêmicos da cólera há mais de duas décadas.
Ministério da Saúde e Anvisa não responderam aos questionamentos
A reportagem procurou o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para posicionamento oficial.
Enquanto isso, os governos estaduais reforçam a importância da higienização correta dos alimentos, do consumo de água potável e da busca imediata por atendimento médico diante de sintomas severos. Especialistas também pedem cautela para que boatos não substituam informações científicas, mas alertam que relatos populares devem ser considerados como parte da vigilância ativa.
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