O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025, após vencer as eleições contra Joe Biden em novembro do ano anterior, reacendeu uma série de tensões diplomáticas e comerciais em diversas partes do mundo. No Brasil, os reflexos foram imediatos. Em menos de quatro meses de governo, o republicano retomou uma retórica crítica às políticas ambientais e comerciais brasileiras, mirando especialmente os compromissos firmados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fóruns internacionais.
A tensão ganhou novos contornos após declarações públicas feitas por Trump durante um comício em Houston, no Texas, no fim de março, quando o presidente americano afirmou que “os países da América Latina, especialmente o Brasil, se beneficiam de forma desleal de acordos comerciais frouxos e destroem suas florestas impunemente”. A fala, embora indireta, teve como alvo claro o governo Lula, que respondeu dias depois com uma declaração firme: “O Brasil não aceitará ser tutelado. Temos responsabilidade climática, mas também soberania sobre nosso território”.
A troca de declarações expôs o grau de tensão que pode marcar os próximos anos da relação bilateral entre os dois países — especialmente se o discurso for acompanhado de medidas concretas, como tarifas, sanções e isolamento diplomático em fóruns multilaterais.
1. Histórico: relações Brasil-EUA em constante oscilação
As relações entre Brasil e Estados Unidos são historicamente marcadas por ciclos de aproximação e distanciamento. Durante o primeiro governo Lula (2003–2006), a política externa brasileira buscou fortalecer o Sul Global, por meio do BRICS, e equilibrar a influência americana na América Latina. Já no governo Trump anterior (2017–2021), o Brasil de Jair Bolsonaro adotou alinhamento automático aos EUA, especialmente em pautas conservadoras e econômicas.
O retorno simultâneo de Lula e Trump ao poder reacende a divergência de estilos e prioridades. Lula enfatiza o multilateralismo, o combate à desigualdade global e o protagonismo climático do Brasil. Trump, por outro lado, defende o isolacionismo estratégico dos EUA, o protecionismo econômico e uma política externa centrada em interesses imediatos, frequentemente em choque com agendas ambientais e sociais globais.
2. Comércio: tarifas, incertezas e reposicionamento estratégico
Um dos primeiros reflexos concretos da mudança no comando da Casa Branca foi a reativação de uma antiga pauta de Trump: a imposição de tarifas sobre produtos de países que ele considera “desleais” do ponto de vista comercial. O aço brasileiro voltou a ser alvo. Um decreto publicado em fevereiro reestabeleceu tarifas de 25% sobre a importação de aço bruto brasileiro, afetando diretamente siderúrgicas de Minas Gerais, Espírito Santo e Pará.
A medida foi interpretada por analistas como um sinal de que outros setores estratégicos podem ser impactados, como etanol, carne bovina, soja e até itens industrializados. O Brasil, hoje o terceiro maior exportador de carne bovina para os EUA, viu suas cotas de exportação suspensas temporariamente, sob a alegação de “revisão de critérios sanitários”.
Especialistas em comércio internacional ouvidos pelo Diário Tocantinense avaliam que o impacto pode ser mais profundo do que em 2018, quando Trump impôs medidas semelhantes. “A diferença agora é que o Brasil não tem mais o mesmo grau de alinhamento político. Isso cria um vácuo estratégico que pode ser preenchido por concorrentes latino-americanos ou asiáticos”, alerta um especialista em política internacional com foco em relações comerciais.
Outro risco apontado é a retaliação em acordos paralelos, como os pactos de cooperação tecnológica e agrícola. “Mesmo sem romper diretamente, os EUA podem dificultar a renovação de licenças, restringir inspeções conjuntas ou postergar certificações, o que cria insegurança jurídica para exportadores brasileiros”, alerta outro analista.
3. Meio ambiente: Amazônia como fronteira geopolítica
Desde 2023, o governo Lula vem tentando reposicionar o Brasil como protagonista da pauta ambiental internacional. O país assumiu compromissos com o Acordo de Paris, reduziu a taxa de desmatamento da Amazônia em 52% e relançou o Fundo Amazônia com apoio de países europeus e, até 2024, dos próprios EUA.
Com a volta de Trump e seu discurso negacionista climático, os Estados Unidos voltaram a boicotar acordos ambientais globais, inclusive abandonando formalmente a COP30 marcada para Belém (PA) em 2025. Trump argumenta que “acordos climáticos servem apenas para beneficiar a China e atrapalhar a economia americana”, e voltou a classificar o desmatamento como “assunto interno dos países”.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, a mudança de tom tem efeito colateral perigoso para o Brasil. “Com os EUA fora da mesa, o desmatamento da Amazônia volta a ser tratado como uma questão bilateral entre Brasil e Europa. Isso reduz o peso diplomático do Brasil e pode abrir espaço para pressões assimétricas da União Europeia em tratados como o Mercosul-EU”, explica um ambientalista com atuação em negociações multilaterais.
Além disso, há preocupação com o financiamento de políticas de preservação. Em 2024, os EUA haviam prometido um aporte de US$ 50 milhões ao Fundo Amazônia. O valor está congelado desde fevereiro, sem perspectiva de liberação.
4. Imigração e deportações: crise silenciosa
Outro ponto de atrito potencial envolve a política migratória americana. Em 2020, ainda durante o primeiro mandato de Trump, o governo dos EUA deportou centenas de brasileiros em voos fretados, em muitos casos sob condições denunciadas como degradantes. A volta da retórica anti-imigração e a promessa de “zerar a entrada de ilegais” reacenderam o temor de nova onda de deportações em massa.
Fontes do Itamaraty confirmaram ao Diário Tocantinense que há “preocupação com o aumento de prisões de brasileiros na fronteira sul dos EUA” e que foram enviados três ofícios diplomáticos solicitando garantias mínimas de respeito aos direitos humanos nos procedimentos.
“Diferente de outras nacionalidades, os brasileiros deportados sofrem estigmatização ao retornar, e muitos não conseguem se reinserir no mercado formal”, afirma uma socióloga que estuda migração e trabalho informal. Segundo ela, o Brasil deve preparar uma política pública de acolhimento e reinserção, caso a política de deportações seja ampliada.
5. Reação interna e desafios diplomáticos
A resposta do governo Lula tem buscado evitar o confronto direto, mas fontes do Palácio do Planalto indicam que há forte articulação nos bastidores para reconfigurar a política externa brasileira. Um dos movimentos estratégicos mais visíveis foi o aprofundamento das relações com a China, com quem o Brasil assinou 14 novos protocolos comerciais no primeiro trimestre de 2025.
Ao mesmo tempo, o Brasil tem intensificado conversas com o bloco dos BRICS — que agora conta com novos integrantes como Arábia Saudita e Argentina — e ampliado sua atuação na África e no Oriente Médio.
A aposta é clara: diversificar para reduzir a dependência dos Estados Unidos. “O Brasil não pode depender de uma potência instável, onde eleições definem mudanças radicais de rota. A estratégia precisa ser de longo prazo”, resume um embaixador de carreira.
6. Cenários possíveis: diplomacia de tensão controlada
Nos próximos meses, o governo brasileiro deverá enfrentar ao menos três grandes desafios frente ao governo Trump:
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A tentativa de aprovação do acordo Mercosul-União Europeia, que pode ser sabotado indiretamente pelos EUA;
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A manutenção do Brasil como referência em política ambiental, em um cenário internacional mais fragmentado;
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A administração dos impactos comerciais sem romper totalmente com Washington.
Trata-se de uma equação difícil, que exigirá do Itamaraty habilidade técnica e firmeza política.
A relação entre Brasil e Estados Unidos entra em uma fase crítica. Com Donald Trump novamente no poder, Lula terá de equilibrar pragmatismo econômico com firmeza diplomática. As apostas são altas: acesso a mercados, preservação da Amazônia e soberania diante de uma superpotência cada vez mais volátil.
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