Um Dia de Chuva em Nova York (2019) é uma obra que abraça o imprevisto como fio condutor narrativo. Dirigido por Woody Allen, o filme acompanha um final de semana que deveria ser apenas uma breve visita à cidade, mas que, em poucas horas, se transforma em uma série de reencontros com o passado, a arte, o amor e, principalmente, consigo mesmo.
Gatsby Welles (Timothée Chalamet) é um jovem com alma nostálgica, apaixonado pelo jazz e pela poesia de uma cidade que parece conversar com ele a cada esquina. Ao lado de Ashleigh Enright (Elle Fanning), sua namorada otimista e ingênua, ele desembarca em Manhattan com o plano de um fim de semana romântico, entre cafés antigos, exposições e jantares discretos. O que eles não previam era a chuva — tanto a literal quanto a simbólica.
Ashleigh, enviada para uma entrevista com um renomado cineasta, acaba mergulhada em uma jornada própria, cercada de figuras excêntricas do mundo do cinema, entre escândalos, roteiros não finalizados e paixões impulsivas. Gatsby, por sua vez, reencontra velhos conhecidos, familiares e sentimentos que pareciam enterrados, mas que a cidade insiste em ressuscitar.
Nova York como personagem
Mais do que pano de fundo, Nova York atua como personagem viva no longa. A fotografia assinada por Vittorio Storaro imprime uma estética elegante, com tons dourados e sombras suaves que remetem aos filmes clássicos das décadas de 1950 e 1960. Cada rua molhada, cada café acolhedor, cada melodia de piano evoca uma cidade melancólica, mas cheia de possibilidades.
Allen revisita sua velha fórmula: o passeio errante por Manhattan, os diálogos rápidos e espirituosos, os personagens levemente neuróticos e uma trilha sonora que caminha entre o jazz e o silêncio expressivo das ruas. E, ainda que essa fórmula pareça datada para parte da crítica contemporânea, há quem veja nela um charme irredutível — quase como um bilhete de amor a um tempo que já não existe.
Diálogos que contam mais do que palavras
Entre o sarcasmo de Gatsby e o deslumbramento de Ashleigh, há espaço para camadas emocionais profundas. O texto de Allen permanece afiado, mesmo quando oscila entre o cínico e o sentimental. É nas entrelinhas, muitas vezes, que o filme entrega seus melhores momentos — especialmente quando Gatsby se vê dividido entre o amor idealizado e a percepção madura do que significa amar alguém.
A presença de Selena Gomez como Chan Tyrell, uma jovem nova-iorquina espirituosa e direta, adiciona à trama uma tensão interessante. Seu embate com Gatsby revela mais sobre ele do que ele próprio gostaria de admitir. E é nesse contraste que o espectador começa a perceber que talvez o verdadeiro amor de Gatsby nunca tenha sido Ashleigh.
A beleza do imprevisto
Um Dia de Chuva em Nova York não promete grandes reviravoltas. Seu valor está na delicadeza com que observa os personagens diante do inesperado. É um filme sobre aquilo que escapa ao controle, sobre os encontros fortuitos que redesenham rotas e sobre como, por vezes, é preciso se perder para se reencontrar.
Quando a tarde cai e a chuva cessa, resta apenas o eco dos passos apressados na calçada, o som distante de um saxofone, e dois guarda-chuvas que caminham lado a lado por Central Park.
Allen entrega um filme que, mesmo simples, ressoa com força nos espectadores dispostos a aceitar que o acaso tem sua poesia. Timothée Chalamet, com sua melancolia encantadora, e Elle Fanning, com leveza e ingenuidade, traduzem o espírito de uma geração que busca o amor em meio ao caos urbano.
No fim, talvez o que Um Dia de Chuva em Nova York nos diga é que o destino não precisa ser certeiro para ser bonito — e que a vida, assim como a cidade, tem seu próprio ritmo, muitas vezes ditado pela próxima nuvem que encobre o céu.
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