A vitória de Amastha expôs o colapso da velha política, os erros estratégicos do grupo de Siqueira Campos, o peso do MDB na aliança e consolidou uma campanha que inovou ao explorar marketing de guerrilha, pertencimento e inclusão. Uma virada histórica.
Palmas, 2012. Uma eleição municipal que entrou para a história do Tocantins como um divisor de águas na política local. O empresário Carlos Amastha (PP), que agora é vereador da capital, que iniciou a campanha com apenas 0,5% das intenções de voto, venceu a disputa com 49,65% dos votos válidos, desbancando o até então favorito absoluto, Marcello Lelis (PV), que amargou uma derrota histórica com 43,24%.
O favoritismo de Marcello Lelis e a aliança que custou a eleição
Marcello Lelis reunia todas as credenciais que, no papel, pareciam imbatíveis: vereador mais votado da história da capital, ex-secretário de Meio Ambiente, deputado estadual consolidado, político com trânsito livre entre empresários, setor produtivo, meio político e população.
O desenho natural era uma composição com Luana Ribeiro (PR), filha do então senador João Ribeiro, repetindo a lógica tradicional do grupo União do Tocantins, liderado há décadas por Siqueira Campos. Mas o acordo não prosperou. Luana lançou candidatura própria. Para tentar reforçar seu projeto, Lelis buscou apoio do MDB, fechando chapa com Cirlene Pugliese como vice — uma MDBista histórica, respeitada, mas cuja presença não amenizou a rejeição da militância do partido.
O problema foi imediato e profundo. O MDBista raiz nunca aceitou o grupo siqueirista. Eles eram adversários históricos desde a fundação do Tocantins. A base do MDB não se mobilizou, não participou ativamente e, em muitos casos, trabalhou contra a própria campanha, provocando esvaziamento e rachaduras internas.
O que parecia, no papel, uma coligação vencedora, virou um palanque pesado, desconectado do sentimento das ruas e das bases.
O desgaste do governo Siqueira e a âncora no palanque

O cenário ficou ainda mais adverso com o agravamento da crise no governo estadual. Siqueira Campos, então governador, enfrentava uma administração marcada por desgaste, crise interna e crescente rejeição popular. Seu governo, que havia sido base de construção do estado, naquele momento vivia dificuldades de gestão, de articulação e de imagem pública.
Pesquisas qualitativas foram claras:
“Siqueira tem que sair do palanque. Se continuar, perde.”
Mas, por lealdade histórica ou decisão política, Marcello Lelis não aceitou abrir mão da presença de Siqueira Campos, nem de seu filho, Eduardo Siqueira Campos, então secretário de governo e figura central da articulação política.
Essa decisão se mostrou determinante. O desgaste do governo estadual contaminou diretamente a candidatura. As regiões mais populosas da cidade — como Taquaralto, Aurenys, Santa Fé e região norte de Palmas —, que já se sentiam abandonadas pela gestão estadual, responderam nas urnas.
A tentativa de reação com

Quando ficou evidente o risco de derrota, a campanha buscou uma reestruturação. A senadora Kátia Abreu, siqueirista na histórica, assumiu a coordenação política da campanha de Lelis. Com trânsito forte no setor produtivo, alto capital político e boa avaliação popular naquele momento, Kátia tentou redesenhar a campanha.
Ela trouxe profissionalismo, intensificou o corpo a corpo, ajustou o discurso e tentou reposicionar a imagem de Marcello Lelis, distanciando-o dos desgastes do governo Siqueira. O movimento funcionou parcialmente: Lelis voltou a subir nas pesquisas e recuperou algum fôlego.Mas o estrago já estava feito.
A virada documentada nas pesquisas
Os números contam, com clareza, a curva do colapso e da virada:
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Marcelo Lelis – 36%
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Carlos Amastha – 26%
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Luana Ribeiro – 16%
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Brancos/Nulos – 7%
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Indecisos – 13%
30 de setembro de 2012:
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6 de outubro de 2012:
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Amastha – 43%
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Lelis – 40%
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Luana – 5%
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Brancos/Nulos – 3%
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Indecisos – 7%
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18 de outubro de 2012:
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Amastha – 47%
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Lelis – 30%
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Luana – 7%
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Brancos/Nulos – 3%
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Indecisos – 11%
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No dia 7 de outubro, Carlos Amastha foi eleito no primeiro turno, com 49,65% dos votos.
O diferencial: marketing de guerrilha e pertencimento

Diferente do que muitos tentam romantizar hoje nos bastidores, a eleição de Carlos Amastha em Palmas não foi obra das redes sociais. Naquele período, a presença digital era incipiente. O Facebook começava a ganhar adesão, o WhatsApp não operava com grupos estruturados e o Instagram sequer tinha qualquer influência eleitoral. O Brasil vivia uma era em que o marketing político digital ainda era embrionário.
O que Amastha dominou foi outro jogo — o marketing de guerrilha, a comunicação viral na rua, nos bairros, nos mercados e, principalmente, a construção de um discurso identitário poderoso. Um discurso que rompeu com a lógica tradicional da política tocantinense.
O que Amastha entendeu — e ninguém antes percebeu — é que Palmas não é uma cidade. É uma migração.

Palmas nasceu fruto de um projeto político, mas foi construída pelo povo migrante — especialmente trabalhadores vindos do Norte e Nordeste, que ergueram as casas, asfaltaram ruas, abriram comércio, ocuparam os bairros e fizeram da cidade sua nova pátria. E, por décadas, esses migrantes foram tratados pela política local como “voto útil” e não como sujeitos políticos. Eram chamados na campanha, esquecidos na gestão.
A estratégia de Amastha foi simples, mas devastadora: entregar, pela primeira vez, um discurso que não via os migrantes como figurantes, mas como protagonistas.
O jingle da campanha, carregado de referências nordestinas — tanto na melodia quanto na estética — foi mais que uma trilha sonora eleitoral. Foi um manifesto. Um grito coletivo de reconhecimento. Quando milhares de pessoas ouviram aquela música, não ouviram um candidato. Ouviram a si mesmas. Se reconheceram no processo, na campanha, na cidade.
Era a primeira vez que a política de Palmas falava a língua dos bairros, dos mercados populares, das feiras, das periferias, das famílias que carregaram Palmas no braço.
O resultado foi muito mais que uma vitória eleitoral. Foi uma ruptura histórica.
Foi o fim de um ciclo político que dominava Palmas desde sua fundação. Um ciclo marcado pela reprodução de uma elite que administrava a cidade com os mesmos sobrenomes, os mesmos acordos, os mesmos pactos velados. Uma política feita para poucos e que olhava para a cidade com o distanciamento de quem vê o povo como massa de manobra, não como dono da cidade.
A eleição de Amastha não foi um projeto de renovação. Foi insurgência social transformada em voto. Foi o momento em que a palavra “pertencimento” rompeu as estruturas tradicionais e deslocou o eixo do poder.
O recado foi claro: Palmas não é dos que fundaram. É dos que construíram.
E foi assim, sem rede social estruturada, sem grandes máquinas partidárias, sem apoio dos grupos tradicionais, que Amastha venceu. Não na urna. Na rua, no som, na voz e no olhar de quem, pela primeira vez, se sentiu parte.
Marcello Lelis: do favoritismo absoluto à inelegibilidade, e a atuação no governo estadual

Após a derrota em 2012, Marcello Lelis buscou permanecer na vida pública, mas enfrentou um revés jurídico. Foi condenado por abuso de poder econômico durante a campanha de 2012, o que resultou em sua inelegibilidade por oito anos, impedindo sua participação nas eleições subsequentes. Em 2020, com a elegibilidade restabelecida, disputou novamente a Prefeitura de Palmas, mas teve 3,36% dos votos válidos, ficando fora da disputa majoritária.
Atualmente, Marcello Lelis é secretário no governo de Wanderlei Barbosa, à frente de uma pasta estratégica com foco em meio ambiente, desenvolvimento urbano e planejamento — áreas nas quais consolidou sua trajetória desde quando foi secretário municipal de Meio Ambiente de Palmas e deputado estadual.
Paralelamente, sua esposa, Cláudia Lelis, é deputada estadual e segue na vida pública, defendendo as mesmas bandeiras políticas que caracterizaram a atuação de Marcelo Lelis, especialmente nas áreas de sustentabilidade, desenvolvimento urbano, meio ambiente, qualidade de vida e gestão pública com foco em planejamento.
Cláudia também disputou a Prefeitura de Palmas em 2016, mas não foi eleita. Desde então, manteve atuação contínua na Assembleia Legislativa do Tocantins, onde segue exercendo mandato e mantendo inserção ativa no cenário político estadual.
O que aconteceu com os outros personagens depois de 2012:
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Carlos Amastha: Foi reeleito em 2016, mas não concluiu o mandato. Enfrentou rupturas políticas, desgaste na gestão e deixou o cargo para disputar o governo do estado — sem sucesso. Voltou à política em 2020 como vereador de Palmas.
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Cinthia Ribeiro: Eleita vice-prefeita na chapa de Amastha em 2016, assumiu a prefeitura em 2018 após sua renúncia. Foi reeleita em 2020 com 36,24% dos votos. Rompeu com Amastha logo após assumir o cargo e consolidou carreira própria.
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Eduardo Siqueira Campos: Após a derrocada do grupo sequerista, mergulhou em um longo desgaste, recuperado apenas em 2024, quando foi eleito novamente prefeito de Palmas, com 53,03% dos votos.
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Kátia Abreu: Manteve-se siqueirista até 2013, quando rompeu, seguiu carreira independente e, embora tenha mantido reconhecimento pela trajetória de Siqueira Campos, não integrou mais formalmente o grupo. Não conseguiu se reeleger para o Senado em 2022 e, desde então, atua como analista política e empresária.
O legado da eleição de 2012: quando a rua derrota o palanque
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Quando o sentimento das ruas não valida o palanque, não há coligação, não há tempo de TV, não há liderança que segure uma eleição.
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Pertencimento, acolhimento e comunicação direta superam acordos de cúpula.
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A rejeição é mais destrutiva que qualquer falta de estrutura.
E a frase que continua ecoando nas rodas políticas até hoje é a mesma:
“Se Marcelo Lelis tivesse tirado Siqueira e Eduardo do palanque, ele era prefeito de Palmas
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