Governo restringe gastos para cumprir meta fiscal e preocupa bancadas estaduais; obras de infraestrutura e emendas parlamentares serão as mais afetadas
Em uma tentativa de cumprir a meta de resultado primário estabelecida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo federal bloqueou R$ 128,4 bilhões do orçamento da União até maio. A medida, anunciada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento nesta semana, impacta diretamente áreas como infraestrutura, programas de investimento e emendas parlamentares, acirrando o embate entre o Executivo e o Congresso Nacional e acendendo um sinal de alerta para os estados.
O corte, classificado como “contingenciamento técnico temporário”, é o maior bloqueio orçamentário de início de ano desde 2019. O objetivo, segundo o governo, é garantir o cumprimento da meta de superávit primário zero em 2025, conforme previsto no novo arcabouço fiscal.
Infraestrutura lidera as perdas: rodovias, saneamento e habitação na mira
De acordo com levantamento preliminar da Instituição Fiscal Independente (IFI), aproximadamente R$ 32 bilhões dos recursos bloqueados estavam destinados a obras de infraestrutura. Os principais atingidos são projetos de rodovias federais, saneamento básico e o programa Minha Casa, Minha Vida, com impacto direto em regiões de médio e baixo IDH.
“O impacto desse corte se dá principalmente em obras já contratadas, com execução prevista para os próximos três meses. Isso pode causar paralisações, encarecimento futuro e até rescisão de contratos”, explica Gustavo Lacerda, economista da FGV e especialista em finanças públicas.
No Norte e Nordeste, governadores reclamam da suspensão de repasses federais para obras estruturantes. Em Tocantins, por exemplo, o governo estadual alertou para a possibilidade de paralisação da duplicação da BR-153, trecho vital para o escoamento da produção agrícola. Em São Paulo, a preocupação recai sobre o atraso nos repasses para projetos de mobilidade urbana e habitação popular.
Emendas parlamentares sofrem novo bloqueio: crise entre Planalto e Congresso se intensifica
Além da infraestrutura, as emendas parlamentares – mecanismo por meio do qual deputados e senadores destinam verbas diretamente para suas bases eleitorais – também foram duramente atingidas. Estima-se que R$ 23 bilhões em emendas impositivas e não impositivas estejam temporariamente suspensos, o que já provoca reações no Congresso.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da LDO de 2024, criticou duramente a medida:
“Esse contingenciamento desequilibra a relação federativa e enfraquece o papel do Parlamento. Cortar emendas é uma decisão política disfarçada de necessidade fiscal.”
Na Câmara, o líder do União Brasil, deputado Danilo Forte (CE), afirmou que a base aliada está “incomodada” e que o corte “coloca em risco a execução de políticas públicas essenciais nos municípios”.
Governo alega necessidade de ajuste e promete desbloqueio progressivo
Em nota oficial, o Ministério do Planejamento defendeu o bloqueio como um mecanismo previsto na legislação para garantir responsabilidade fiscal e evitar rompimento da meta zero de déficit. A equipe econômica afirma que parte do valor poderá ser desbloqueada caso haja melhora na arrecadação nos próximos meses.
“Estamos diante de um esforço coletivo. O bloqueio temporário é um freio de cautela. Caso as receitas evoluam, os recursos serão liberados gradualmente”, disse a ministra Simone Tebet.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçou que o ajuste é necessário para manter a credibilidade fiscal do país e evitar pressão sobre os juros e o câmbio.
Especialistas divididos: ajuste técnico ou erro estratégico?
O economista e ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Alves, avalia que o contingenciamento é “inevitável” diante da fragilidade das contas públicas, mas alerta para o impacto recessivo da medida.
“R$ 128 bilhões é um volume expressivo. Embora técnico, esse corte reduz a capacidade de investimento público e desacelera o crescimento no curto prazo, afetando sobretudo os estados mais dependentes de transferências.”
Já a cientista política Camila Rocha, do Instituto de Estudos Políticos Aplicados (IEPA), acredita que o governo “errou na comunicação” e corre o risco de perder apoio político:
“Cortar emendas e infraestrutura é politicamente custoso. O Executivo deveria ter feito uma pactuação prévia com a base. Isso abre flanco para crises.”
Estados se articulam para pressionar desbloqueios
Diante do cenário, governadores começaram a se mobilizar. O Consórcio Nordeste e o Consórcio da Amazônia Legal agendaram reuniões com líderes do Congresso para pressionar por ajustes na distribuição dos cortes.
Em nota conjunta, os governadores de Tocantins, Maranhão, Pará e Bahia classificaram o bloqueio como “assimétrico” e pediram a construção de um plano de proteção aos investimentos regionais.
No Sudeste, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou que o estado “seguirá com recursos próprios”, mas que “a ausência de investimentos federais compromete políticas nacionais integradas”.
O que pode acontecer até maio
O bloqueio é válido até a publicação do novo Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, previsto para maio. Caso a arrecadação federal melhore, parte dos valores poderá ser liberada. No entanto, se houver frustração de receitas, o corte pode ser mantido ou até ampliado.
Enquanto isso, prefeitos, governadores e parlamentares correm contra o tempo para proteger suas prioridades, em um cenário de alta incerteza orçamentária e desgaste político iminente.
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