Uma investigação da Polícia Civil de Goiás (PC-GO) revelou um esquema de fraudes que envolvia a obtenção de isenções de Imposto de Renda para supostas vítimas do acidente radiológico com o césio-137. O esquema, que contava com a participação de advogados e beneficiava principalmente policiais militares e bombeiros reformados, resultou em pelo menos 80 ações judiciais nos últimos dois anos. Entre os investigados estão um procurador, um tenente-coronel do Corpo de Bombeiros e um promotor de Justiça, que afirmam não ter conhecimento do esquema.
Golpe do Césio: A fraude e seus beneficiários
As fraudes envolviam a apresentação de laudos médicos falsificados, que indicavam que os beneficiários sofriam de doenças graves, supostamente relacionadas à contaminação pelo césio-137, o maior desastre radiológico da história do Brasil, ocorrido em Goiânia, em 1987. A justificativa utilizada nos processos fraudulentos era a exposição ao material radioativo durante o acidente. No entanto, a Polícia Civil afirma que os documentos eram forjados e que os envolvidos sabiam da irregularidade.
O esquema teria causado um prejuízo estimado em mais de R$ 20 milhões aos cofres públicos. Além das ações relacionadas à contaminação pelo césio, os investigados também teriam protocolado cerca de 20 outros processos fraudulentos, utilizando diagnósticos de doenças como AIDS e cardiopatia para justificar o pedido de isenção de imposto.
Entre os principais suspeitos estão o procurador-geral de Anápolis, Carlos Alberto Fonseca, o tenente-coronel dos Bombeiros Sebastião Otávio do Nascimento e o ex-comandante-geral da Polícia Militar do Tocantins, Marielton Francisco dos Santos. Todos negam envolvimento no esquema e atribuem a responsabilidade às advogadas que conduziram as ações judiciais.
Investigações em curso
O delegado Leonardo Dias Pires, que conduz o inquérito, afirmou que o material coletado das supostas vítimas do césio seria enviado a um laboratório nos Estados Unidos para que os exames fossem realizados, uma vez que, segundo os suspeitos, não haveria laboratórios no Brasil capazes de realizar tais análises. As investigações, no entanto, indicam que os exames nunca foram realizados e que as amostras coletadas, como fios de cabelo, permaneceram no escritório de uma das advogadas.
As advogadas Ana Laura Pereira Marques e Gabriela Nunes Silva foram presas sob a acusação de envolvimento no esquema. Ana Laura, apontada como responsável pela maioria das ações, encontra-se em prisão domiciliar, enquanto Gabriela responde ao processo em liberdade. Um policial militar reformado também foi detido, acusado de captar clientes para as advogadas. Outros cinco advogados estão sendo investigados por participação na fraude.
Em defesa, o advogado de Gabriela Nunes Silva, Jonadabe Almeida, afirmou que sua cliente não tinha conhecimento dos documentos falsos e que não participou do esquema. Já a defesa de Ana Laura Pereira informou que só irá se manifestar em juízo, alegando o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Golpe do Césio: Esquema abrange diversas autoridades
Um dos principais investigados é Carlos Alberto Fonseca, procurador-geral de Anápolis e capitão da reserva da Polícia Militar. Fonseca, que atuou como promotor de Justiça por mais de 25 anos, disse ao programa Fantástico, da TV Globo, que não sabia da fraude e que confiava plenamente na advogada Ana Laura. Ele reconheceu, no entanto, que não teve cautela ao não verificar os resultados dos exames apresentados no processo judicial que protocolou, mas afirmou que isso não configura ingenuidade.
Fonseca deixou a Polícia Militar na década de 1990 e afirmou que, embora tenha trabalhado no policiamento do depósito de dejetos radioativos após o acidente, não esteve em Goiânia na época do desastre. O exame anexado ao processo em seu nome indicava a presença de material radioativo acima do normal em seu cabelo, o que ele justificou como resultado de cirurgias pelas quais passou, alegando que os cistos retirados não eram cancerígenos. Fonseca afirmou ainda que desistiu da ação após a divulgação das fraudes.
Outro investigado é o tenente-coronel dos Bombeiros Sebastião Otávio do Nascimento. Ele também afirmou ao *Fantástico* que não tinha conhecimento de que o exame utilizado em seu processo era falso. A coleta de cabelo, utilizada para a realização do suposto teste, foi feita no escritório da advogada Ana Laura e, de acordo com as investigações, nunca saiu de lá. Sebastião sustenta que trabalhou no depósito de dejetos radioativos e que tem direito à isenção fiscal por ter sido exposto ao material durante suas atividades.
O ex-comandante-geral da Polícia Militar do Tocantins, Marielton Francisco dos Santos, também está entre os investigados. Marielton afirmou que sofre de uma deficiência hormonal e que realiza tratamento há mais de uma década, mas disse que não sabia que os documentos apresentados em seu processo eram falsificados. Ele afirmou que devolveu duas parcelas do benefício que recebeu e negou ter agido de má-fé.
Golpe do Césio: A operação e a reação das autoridades
A operação que desmantelou o esquema de fraudes foi deflagrada no dia 30 de setembro pela Polícia Civil de Goiás. Durante a ação, foram cumpridos mandados de prisão e busca e apreensão em Goiânia e Anápolis. A investigação apontou que as advogadas envolvidas no esquema cobravam 30% dos valores retroativos de seus clientes, além de uma porcentagem das isenções fiscais obtidas. Um dos ex-policiais militares investigados, o coronel Urionir Sarmento, chegou a ser convidado para participar do esquema, mas recusou a oferta. Em áudio enviado a um grupo de mensagens, ele afirmou que não aceitaria receber um benefício que não havia merecido.
O estado de Goiás agora exige a devolução dos valores pagos indevidamente aos beneficiários da fraude, e o rombo aos cofres públicos pode superar R$ 20 milhões. O delegado Leonardo Dias Pires destacou que a documentação apresentada nos processos era falsificada e que muitos dos exames médicos utilizados nas ações judiciais nunca foram realizados.
A clínica goiana que supostamente teria emitido os laudos médicos também se manifestou, afirmando que a assinatura e o logotipo presentes nos documentos são falsos. Em pelo menos 18 processos, a clínica foi citada como responsável pelos exames, que agora são considerados forjados.
O caso ainda está sendo investigado pela Polícia Civil, e a Justiça avalia as medidas necessárias para punir os envolvidos e recuperar os recursos desviados.
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