Documento visa prevenir futuras crises sanitárias; Brasil teve papel de liderança nas negociações e especialistas destacam impacto para o SUS e para a soberania sanitária do país
O Brasil votou favoravelmente ao novo Acordo de Pandemias aprovado durante a 78ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, na Suíça. O documento, elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) após dois anos de negociações, estabelece diretrizes globais para a prevenção, preparação e resposta a futuras pandemias.
O país não só apoiou o texto como teve papel de protagonismo na construção dos termos finais. O acordo busca evitar os gargalos registrados durante a pandemia de Covid-19, como a escassez de vacinas, insumos e desigualdade no acesso a tratamentos.
O que prevê o Acordo de Pandemias
O texto aprovado prevê, entre outros pontos:
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Compartilhamento obrigatório e transparente de informações sobre agentes infecciosos emergentes.
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Garantia de acesso equitativo a vacinas, testes e tratamentos, especialmente para países em desenvolvimento.
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Criação de fundos internacionais permanentes para resposta rápida a emergências sanitárias.
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Fortalecimento da produção local de vacinas e insumos em países do Sul Global.
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Normas para circulação de pessoas, bens e serviços durante emergências sanitárias, visando reduzir impactos econômicos sem comprometer a saúde pública.
O acordo entra em vigor em 2026, após ratificação pelos países membros.
Brasil: papel de liderança nas negociações
Segundo fontes do Ministério da Saúde, o Brasil defendeu, durante todo o processo, a ampliação da produção local de vacinas e medicamentos, além da soberania dos países sobre decisões sanitárias internas. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, atuou pessoalmente em mesas de negociação, defendendo o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) como estratégia não apenas nacional, mas regional.
“A pandemia mostrou que dependência internacional é uma vulnerabilidade. O Brasil trabalhou ativamente para que o acordo garantisse transferência de tecnologia e fortalecimento das capacidades produtivas locais”, afirmou a ministra, em discurso na Assembleia.
Especialistas avaliam: impacto no SUS e na soberania sanitária
Para a pesquisadora em saúde global da Fiocruz, Deisy Ventura, o acordo é uma vitória para países como o Brasil. “O texto final reconhece que nenhuma nação pode enfrentar uma pandemia sozinha. Foi um avanço enorme em relação ao que víamos até 2020, quando os países mais ricos monopolizaram vacinas e insumos”, avalia.
Ventura destaca ainda que o acordo estabelece uma base legal internacional para que o Brasil possa exigir, em futuras emergências, acesso justo a tecnologias de saúde, o que fortalece diretamente o Sistema Único de Saúde (SUS).
Na mesma linha, o infectologista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Júlio Croda, ressalta que o fortalecimento da produção nacional, defendido pelo Brasil, é essencial. “Se durante a Covid-19 tivéssemos plena capacidade de produzir vacinas, teríamos salvo dezenas de milhares de vidas. O acordo não é perfeito, mas é um marco civilizatório na resposta global a emergências sanitárias”, afirma.
Críticas e desafios
Apesar dos avanços, nem todos os pontos foram consensuais. Países como Estados Unidos e alguns membros da União Europeia pressionaram por cláusulas que limitassem obrigações quanto à transferência de tecnologia, sob argumento de proteção de propriedade intelectual.
O Brasil, ao lado da África do Sul, Índia e Indonésia, foi voz ativa contra essas limitações. Mesmo assim, especialistas apontam que a efetividade do acordo dependerá da sua implementação, que exigirá, além de vontade política, financiamento robusto.
Comparativo global
Durante a pandemia de Covid-19:
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Mais de 70% das vacinas ficaram concentradas em 10 países.
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Segundo a OMS, 56 nações — a maioria na África — receberam menos de 2% do total de vacinas disponíveis até agosto de 2021.
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O Brasil sofreu atrasos na entrega de insumos para produção de vacinas, principalmente devido à dependência de fornecedores da China e da Índia.
O novo acordo busca justamente mitigar esses cenários.
Próximos passos
O governo brasileiro agora inicia o processo interno de ratificação do acordo, que passará pela análise do Congresso Nacional. Paralelamente, o Ministério da Saúde já articula, junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ao BNDES, um plano para expansão do parque industrial da saúde no país.
O Itamaraty também confirmou que o Brasil participará da força-tarefa internacional que vai monitorar a implementação do acordo e propor aprimoramentos.
Uma mudança de paradigma
Para especialistas, o Acordo de Pandemias representa uma mudança de paradigma na governança global da saúde, colocando a solidariedade internacional como eixo central. O Brasil emerge desse processo não apenas como signatário, mas como líder de um novo modelo de cooperação, especialmente entre países do Sul Global.
“O mundo entendeu que ninguém estará seguro até que todos estejam seguros”, conclui Deisy Ventura.
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