Setor aposta na diversificação e no turismo de experiência, enquanto especialistas pedem regulamentação mais rígida para publicidade e consumo
A indústria do álcool no Brasil atravessa uma fase de crescimento e reposicionamento estratégico. Com faturamento bilionário e presença marcante em diferentes segmentos — do etanol à cachaça artesanal, das grandes cervejarias às microdestilarias — o setor busca consolidar novos mercados e atrair investimentos, inclusive com foco em turismo e exportação. No entanto, o avanço econômico convive com crescente pressão por parte de entidades de saúde pública, que defendem maior regulação, incluindo a equiparação do álcool ao tabaco em políticas de marketing e publicidade.
Segundo dados da Abrazil (Associação Brasileira da Indústria de Bebidas) e do Sindalcool, o setor movimentou cerca de R$ 230 bilhões em 2023, considerando toda a cadeia produtiva — da cana-de-açúcar ao ponto de venda. A indústria de etanol respondeu por mais da metade desse montante, com R$ 123 bilhões, impulsionada pelo uso como biocombustível e pelas metas de descarbonização. Já as bebidas alcoólicas — como cervejas, destilados e vinhos — somaram R$ 107 bilhões, com destaque para o crescimento das cervejarias artesanais, que avançaram 15% no número de registros no país, segundo o Sebrae.
“O mercado de bebidas alcoólicas no Brasil é robusto, sofisticado e diversificado. Temos desde gigantes como Ambev e Heineken até produtores familiares que atuam no turismo rural com cachaças premium”, explica a economista Renata Maciel.
O país é o terceiro maior produtor mundial de cerveja e o maior produtor de cachaça do planeta, com cerca de 1,2 bilhão de litros por ano, segundo o IBGE. Em paralelo, o setor de vinhos e espumantes também cresce, sobretudo no Sul, com forte apelo turístico.
Saúde pública pede freios: “impacto é subestimado”
Enquanto a indústria expande suas operações, entidades como a Fiocruz, o Conselho Nacional de Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria cobram políticas mais rígidas sobre o consumo de álcool. A principal reivindicação é a adoção de advertências sanitárias nos rótulos, restrições à publicidade em mídias digitais e maior controle da exposição ao público infantojuvenil.
“O consumo abusivo de álcool é responsável por milhares de internações, além de estar associado a casos de violência doméstica, acidentes de trânsito e doenças crônicas como cirrose e câncer. Mas, diferentemente do tabaco, ele ainda é romantizado pela propaganda”, afirma a médica sanitarista Vanessa Dutra.
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2023 foram mais de 42 mil internações hospitalares associadas ao uso nocivo de bebidas alcoólicas, com impacto estimado de R$ 1,5 bilhão ao SUS. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomendou aos países-membros que avancem na regulação do marketing e da rotulagem de bebidas alcoólicas, especialmente em países em desenvolvimento.
Setor produtivo defende autorregulação e diferenciações
Em resposta, representantes da indústria afirmam que o setor já adota códigos de conduta publicitária e medidas de responsabilidade social. Para a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), equiparar o álcool ao tabaco em termos de restrição seria “desproporcional” e traria prejuízos à cadeia produtiva, que gera cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos no país.
“Defendemos campanhas de consumo responsável, mas também pedimos diálogo técnico e jurídico. O setor cumpre a legislação atual e está aberto a evoluir, desde que com base em evidências e sem generalizações”, disse a Abrabe em nota ao O Globo.
Nos bastidores do Congresso, propostas de projeto de lei para restringir o horário de propaganda e exigir alertas sanitários em garrafas e latas já circulam, mas ainda sem consenso.
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