Orçamento comprometido com pessoal, falhas logísticas e dependência tecnológica deixam Forças Armadas em desvantagem diante de cenários de conflito prolongado
Embora seja improvável que o Brasil se envolva em uma guerra de alta intensidade nos próximos anos, o tema voltou ao centro do debate entre analistas e militares da reserva. A pergunta, ainda que hipotética, revela um diagnóstico preocupante: o país teria dificuldades para manter uma operação militar de médio ou longo prazo diante das atuais condições estruturais das Forças Armadas.
Com orçamento superior a R$ 100 bilhões anuais — cerca de US$ 22 bilhões, segundo dados do SIPRI —, o Brasil figura entre os 15 países que mais investem em defesa no mundo. No entanto, mais de 80% desses recursos são consumidos com folha de pagamento e aposentadorias, sobrando pouco para modernização de equipamentos, manutenção de frota ou desenvolvimento de sistemas de defesa de última geração.
A Aeronáutica opera com boa parte das aeronaves em solo por falta de manutenção. No Exército, veículos blindados utilizados desde os anos 1970 ainda são a espinha dorsal da tropa terrestre. A Marinha, por sua vez, enfrenta envelhecimento da frota e depende de programas de longo prazo para renovação, como o do submarino nuclear, ainda em fase de testes.
Além da obsolescência, a logística é apontada como um dos maiores gargalos. Faltam estoques estratégicos de munição, combustível, peças e alimentos para sustentar uma operação prolongada em múltiplas frentes. Em caso de conflito real, a dependência de importações — especialmente de tecnologia, sistemas de mira, radares e armamentos inteligentes — se tornaria um obstáculo imediato à continuidade das ações militares.
“O Brasil tem efetivo e presença territorial. Mas uma guerra não se vence só com presença. É preciso suprimentos, inteligência, logística coordenada e autonomia industrial. E nós ainda estamos distantes disso”, alerta um especialista em segurança e estratégia ouvido pela reportagem.
Comparação com países vizinhos e potências
Na comparação regional, o Brasil ainda lidera em efetivo militar e capacidade logística básica, mas perde em agilidade e atualização tecnológica. Países como o Chile e a Colômbia investem de forma mais sistemática em equipamentos modernos e treinamento especializado, ainda que com orçamentos menores em volume absoluto.
No cenário internacional, a defasagem é mais evidente. Enquanto potências médias como Turquia, Coreia do Sul e Israel mantêm programas contínuos de atualização bélica, o Brasil segue apostando em projetos de longo prazo e pouca execução, frequentemente atrasados por cortes orçamentários e instabilidade política.
“Se o Brasil fosse confrontado com um conflito armado de alta intensidade, sem apoio externo, a capacidade de resistência operacional não passaria de 30 a 60 dias. O país até consegue mobilizar tropas, mas teria dificuldades em manter o abastecimento e a eficácia operacional em campo.”
Defesa como política de Estado
Internamente, a ausência de um planejamento nacional de longo prazo para defesa preocupa. A Base Industrial de Defesa (BID), tida como estratégica, opera em ritmo lento, com baixa articulação entre governo, Forças Armadas e iniciativa privada. Programas estratégicos como o dos caças Gripen e dos submarinos ainda são exceções e não regra.
Além disso, a defesa nacional segue à margem dos grandes debates no Congresso, vista muitas vezes como tema exclusivo dos quartéis. “Falar em aumentar o orçamento militar soa impopular, mas poucos percebem que segurança nacional não é gasto — é investimento estratégico de longo prazo”, alerta a fonte.
Em tempos de guerras híbridas, ciberataques e disputas tecnológicas, analistas destacam que o conceito de defesa nacional precisa ser revisto e tratado como política de Estado — não como uma rubrica administrativa ligada apenas à tropa.
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