Proposta de Moeda comum entre Brasil e Argentina: o que se sabe sobre o acordo?

A semana começou com o anúncio dos estudos para a criação de uma moeda comum na América do Sul. O texto foi publicado pela revista argentina Perfil, no domingo, 22, véspera do primeiro encontro entre os presidentes, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Alberto Fernández, que acontece hoje, 23.

O acordo confirma a intenção de criar uma moeda comum sul-americana para transações tanto comerciais quanto financeiras. “Pretendemos quebrar as barreiras em nossas trocas, simplificar e modernizar as regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum que possa ser usada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa”, escreveram Lula e Fernández.

No artigo, os dois presidentes também condenam todas as formas de extremismo antidemocrático e violência política, numa clara referência aos atentados, de duas semanas atrás em Brasília, contra as sedes dos três poderes da República. “Os laços entre Argentina e Brasil se sustentam na consolidação da paz e da democracia. Queremos democracia para sempre. Ditadura nunca mais.”

A princípio, a agenda divulgada pelo Palácio do Planalto indica que os compromissos de Lula na Argentina, inclui reunião com o presidente Alberto Fernández, encontro com empresários, eventos culturais e, por fim, a participação na 7ª Cúpula de Chefas e Chefes de Estado da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) na terça.

Repercussão

Em postagens no Twitter, políticos, empresários e economistas criticaram a intenção da criação de uma moeda comum.

O senador eleito Sérgio Moro (União Brasil-PR) chegou a twitter, via redes sociais, que o caso é uma “cortina de fumaça”, já que, segundo o senador, o “PT não tem qualquer projeto substancial para a economia brasileira”. 

Além dele, o  ex-ministro da Casa Civil e senador, Ciro Nogueira (PP-PI) afirmou: “Peso fraco + real enfraquecendo = grama. O nome da nova moeda portenho brasileira: um grama. Vale quanto pesa". 

“Moeda única com a Argentina? Se desse certo, o que seria improvável, traria benefícios insignificantes para o BR. Se desse errado, seria uma tragédia humanitária sem precedentes para o país. Dificilmente o Congresso Nacional não vetaria uma aventura irresponsável como essa”, afirmou o empresário e escritor Flávio Augusto.

Cabe ressaltar, porém, que essa moeda não substituiria o Real ou o Peso, mas teria os mesmos moldes do Euro para os países europeus. A medida também designa um meio de pagamento, hoje em dia, certamente digital, que poderia ser utilizado, principalmente por exportadores e importadores, em transações comerciais e financeiras. A ideia principal é a de substituir o dólar no comércio direto entre os países envolvidos, poupando divisas em moedas fortes para cada lado.

Leia a íntegra do artigo:

Dois povos irmãos voltam a se encontrar. Amanhã nos reuniremos em Buenos Aires para o primeiro encontro presidencial entre o Brasil e a Argentina em mais de três anos. Logo depois será realizada a VII Cúpula da CELAC, foro que reúne os 33 países da América-Latina e do Caribe e que, desde o ano passado, está sob a presidência da Argentina. O evento representará a volta do Brasil a esse mecanismo de diálogo e concertação regional. Essa relação nunca deveria ter sido interrompida e a história de irmandade latino-americana faz com que seja retomada. Ambos os encontros marcam um momento de recomeço, justamente no ano em que celebraremos o bicentenário das nossas relações diplomáticas.

Em Buenos Aires, vamos relançar a aliança estratégica bilateral, com a reativação de diversos espaços de cooperação e diálogo. São múltiplas as áreas em que voltaremos a atuar juntos em temas importantes para a qualidade de vida das nossas populações, como o combate à fome e à pobreza, saúde, educação, desenvolvimento sustentável, mudança climática e redução de todas as formas de desigualdade. De uma vez por todas, a história será escrita pelos nossos povos. Vamos fortalecer o papel da sociedade civil, dos governos estaduais e municipais e dos Parlamentos como atores dessa reaproximação. Sabemos que o sonho de estarmos unidos agora é uma realidade possível.

Os laços entre a Argentina e o Brasil têm como fundamento a consolidação da paz e da democracia. Queremos democracia para sempre. Ditadura nunca mais. Condenamos todas as formas de extremismo antidemocrático e de violência política.

A reindustrialização das nossas economias, com geração de emprego de qualidade e investimentos em inovação, merecerá atenção especial. O comércio entre a Argentina e o Brasil já tem alta participação de produtos industrializados em setores estratégicos. A integração entre as nossas cadeias produtivas contribui para mitigar choques externos, como os que ocorreram durante a pandemia. Não podemos depender de fornecedores externos para termos acesso a insumos e bens essenciais para o bemestar das nossas populações.

Contamos com um setor privado dinâmico e empreendedor, cuja contribuição ao processo de integração bilateral é cada vez mais necessária. Compartilhamos o firme propósito de fortalecer os já sólidos laços de comércio e investimentos entre os nossos países e promoveremos um seminário empresarial no contexto da visita presidencial.

Os nossos países continuarão desempenhando um papel fundamental para a segurança alimentar em um mundo afetado por riscos geopolíticos e graves interrupções nas cadeias de abastecimento. Estamos comprometidos em dotar a nossa agropecuária de elevados padrões de sustentabilidade e a manter seus altos níveis de produtividade.

Desejamos impulsionar projetos no campo da infraestrutura. Um tema central deste novo momento é a integração energética. A interconexão elétrica entre os nossos países já é uma realidade e a integração gasífera tem potencial para se tornar um dos projetos estratégicos da relação bilateral, com ganhos duradouros em atração de investimentos, geração de empregos e para a nossa segurança energética.

Consolidaremos a nossa posição de detentores de tecnologia nuclear para fins pacíficos, fortalecendo a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares e dando continuidade a projetos ambiciosos como o do reator multipropósito. Com a reativação do Grupo de Trabalho Conjunto sobre Cooperação Espacial, vamos colocar em órbita satélites para a realização de estudos costeiros e oceanográficos.

A relação fluente e dinâmica entre o Brasil e a Argentina é fundamental para o avanço da integração regional. Juntamente com os nossos sócios, queremos que o Mercosul constitua uma plataforma para a nossa efetiva integração ao mundo, por meio da negociação conjunta de acordos comerciais equilibrados e que atendam aos nossos objetivos estratégicos de desenvolvimento.

Pretendemos superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda comum sul-americana que possa ser utilizada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo os custos de operação e diminuindo a nossa vulnerabilidade externa. Trabalharemos juntos pelo resgate e pela atualização da Unasul, com base no seu inegável patrimônio de realizações. A Argentina e o Brasil estão decididamente engajados na construção de uma América do Sul forte, democrática, estável e pacífica.

Precisamos lidar com um mundo cada vez mais complexo e desafiador, e temos ampla convergência sobre a agenda multilateral. Falta vontade política efetiva para enfrentar os dilemas atuais e as grandes crises: mudança climática, pandemias, guerras, fome e imigração. A ONU e o G20 devem contribuir para preencher essa lacuna de liderança em prol da mudança. Ambos podem impulsionar pautas inclusivas, emitindo sinais claros para a atuação de organizações como a OMC, o FMI e o Banco Mundial. Vamos atuar de forma colaborativa em benefício da paz e do desenvolvimento.

O mundo mais justo e mais solidário que almejamos somente será viável se tivermos a coragem de ousar moldar o nosso futuro em comum. Esse é o sentido estratégico da integração bilateral.

Não existe nada mais emancipador do que a irmandade dos povos que vêm dos primórdios da nossa história para tomar posse do seu futuro.

Alberto Fernández

Luiz Inácio Lula da Silva

 

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