A constatação de quebra do sigilo profissional entre médico e paciente levou a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a trancar, na última terça-feira (14), uma ação penal que apurava o crime de aborto provocado pela própria gestante (artigo 124 do Código Penal – CP).
Além de ter acionado a polícia por suspeitar da prática do delito, o médico foi testemunhou no processo – situações que, para o colegiado, violaram o artigo 207 do Código de Processo Penal (CPP) e geraram nulidade das provas reunidas nos autos.
Ao trancar a ação penal, a Sexta Turma determinou a remessa dos autos ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina ao qual o médico está vinculado, para que os órgãos tomem as medidas que entenderem pertinentes.
Entenda o caso
Segundo o processo, a paciente teria aproximadamente 16 semanas de gravidez quando passou mal e procurou o hospital. Durante o atendimento, o médico suspeitou que o quadro fosse provocado pela ingestão de remédio abortivo e, por isso, decidiu acionar a Polícia Militar.
Após a instauração do inquérito, o médico ainda teria encaminhado à autoridade policial o prontuário da paciente para comprovação de suas afirmações, além de ter sido usado como testemunha. Com base nessas informações, o Ministério Público propôs a ação penal e, após a primeira fase do procedimento do tribunal do júri, a mulher foi pronunciada pelo crime do artigo 124 do CP.
CPP proíbe médico de revelar segredo profissional obtido durante atendimento
No pedido de habeas corpus, além de sustentar a tese de quebra de sigilo profissional pelo médico, a defesa apontou suposta incompatibilidade entre a criminalização do aborto provocado e os princípios constitucionais, requerendo a declaração de não recepção, pela Constituição de 1988, do artigo 124 do CP.
Os ministros entenderam que, nesse tipo de caso, prevalece o sigilo profissional e encerraram a investigação por considerar que as provas eram ilegais.
"O médico que atendeu paciente se encaixa na proibição legal uma vez que se mostra confidente necessário estando proibido de revelar segredo que tem conhecimento", afirmou o relator do caso, ministro Sebastião Reis.
De acordo com o ministro Rogério Schietti, o Ministério Público e o juiz "erraram" ao permitirem o depoimento do médico. A ministra Laurita Vaz classificou o caso como uma "situação bem peculiar".
O relator mencionou também o Código de Ética Médica – citado em voto vencido no julgamento do caso em segundo grau –, cujo artigo 73 impede o médico de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal e determina que, se convocado como testemunha, deverá declarar o seu impedimento.
Atualmente, o aborto é autorizado no Brasil em três situações:
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se houver risco de morte para a mulher por causa da gestação;
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se a gravidez foi provocada por estupro;
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se o feto é anencéfalo (sem cérebro).
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