A seca prolongada que afeta o Brasil desde o início de 2024 está causando impactos profundos na economia do país, elevando os preços dos alimentos e pressionando a inflação. De acordo com o relatório Weekly Economics Report do Bradesco BBI, em comunicado enviado ao Diário Tocantinense a estiagem, que se intensificou nos últimos meses, já provocou uma alta de mais de 6% nos preços dos alimentos neste ano. Além disso, o acionamento da bandeira tarifária vermelha nas contas de energia elétrica também tem contribuído para o aumento do custo de vida.
O fenômeno climático El Niño, que sucedeu o período de La Niña entre 2020 e 2022, agravou a situação ao atrasar o início das chuvas no Centro-Oeste e em outras regiões do país. Os reflexos desse cenário se manifestam principalmente na produção agrícola, com perdas significativas nas culturas de soja, milho, cana-de-açúcar e café. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção de soja e milho, inicialmente projetada para 480 milhões de toneladas na safra 2023/24, deve alcançar apenas 263 milhões de toneladas.
O setor sucroenergético também foi duramente atingido. Em São Paulo, aproximadamente 200 mil hectares de cana-de-açúcar foram destruídos por queimadas, o que representa 2% da área plantada do estado. Segundo especialistas, a cana queimada é direcionada para a produção de etanol, mitigando, em parte, as perdas financeiras dos produtores. No entanto, os impactos ambientais e produtivos permanecem preocupantes.
Queimadas e emergência climática
O avanço das queimadas é outro reflexo da estiagem. Em agosto, o Sudeste registrou níveis recordes de incêndios florestais, com impactos severos na vegetação nativa e nas áreas agrícolas. Cerca de 750 municípios já declararam estado de emergência devido às queimadas, o que ressalta a gravidade do problema. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, se não fossem as chuvas recentes em São Paulo, o mês de setembro também teria batido recordes históricos de focos de incêndio.
Além das consequências para a agricultura, as queimadas agravam a crise ambiental e comprometem a saúde da população, aumentando a incidência de doenças respiratórias. No longo prazo, o desmatamento e a destruição de áreas florestais podem agravar ainda mais a crise hídrica, reduzindo a capacidade de recarga dos aquíferos e comprometendo o equilíbrio climático regional.
Inflação dos alimentos
A inflação dos alimentos, que havia registrado queda de 0,5% em 2023, deve fechar 2024 acima de 6%, refletindo a pressão sobre os preços causada pela seca. Produtos frescos, que tiveram deflação no primeiro semestre, já apresentam alta nos últimos meses, especialmente as proteínas. A previsão inicial do Bradesco para 2024 era de um aumento de 4,5% nos preços dos alimentos, mas a demanda interna aquecida e a desvalorização do real, que acumula queda de quase 12% neste ano, intensificaram o cenário inflacionário.
Para 2025, as expectativas permanecem desafiadoras. Embora a Conab projete uma safra recorde de grãos, com 326,9 milhões de toneladas ? um aumento de 9,6% em relação à safra anterior ?, a recuperação da oferta depende da regularização do regime de chuvas a partir de outubro. A normalização das precipitações é crucial para garantir a produção agrícola e aliviar os preços domésticos.
Por outro lado, o mercado de carnes enfrenta um ciclo de baixa produção, com uma queda projetada de 5,5% no abate de gado. A combinação de oferta reduzida e demanda aquecida pode elevar o preço da carne bovina para cerca de R$ 280 por arroba, limitando a desaceleração da inflação dos alimentos em 2025.
Energia em alerta
A crise hídrica também afeta o setor energético. Os reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN), especialmente no Sudeste, estão operando com cerca de 50% de sua capacidade. A previsão é que esses níveis caiam para 40% até o final do ano. Apesar de não ser uma situação tão crítica quanto em 2021, o baixo volume de água tem levado o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a aumentar o despacho de usinas termelétricas, que têm custo mais elevado e impactam diretamente o bolso do consumidor.
Com isso, o acionamento da bandeira tarifária vermelha deve continuar até dezembro, elevando o custo da energia elétrica para as famílias e o setor produtivo. Segundo o relatório do Bradesco, a permanência da bandeira vermelha pode acrescentar até 0,29 ponto percentual ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em janeiro deste ano, a estimativa era de manutenção da bandeira verde ao longo de 2024, mas o cenário atual aponta para uma correção nas expectativas.
Desafios para a política monetária
O aumento da inflação, impulsionado pela seca e pelo câmbio depreciado, coloca desafios para a política monetária. A manutenção da taxa Selic em níveis elevados por um período prolongado se torna uma possibilidade real, o que impacta diretamente o custo do crédito e dificulta a recuperação econômica. O Banco Central, que esperava iniciar um ciclo de cortes na taxa de juros em 2024, pode adiar essa decisão, caso as pressões inflacionárias persistam.
Além disso, o cenário de preços elevados compromete o poder de compra das famílias, reduzindo o consumo e dificultando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A necessidade de manter a inflação sob controle, equilibrando a política monetária, será um desafio para as autoridades econômicas no próximo ano.
Perspectivas para 2025
Para o próximo ano, o retorno das chuvas será determinante para definir o ritmo de recuperação da economia. Caso o regime de precipitações se normalize, espera-se um alívio nos preços dos alimentos e uma recuperação dos reservatórios, possibilitando a redução dos custos energéticos e a contenção da inflação.
No entanto, o aumento previsto nos preços da carne bovina, aliado à incerteza quanto ao comportamento climático, ainda representa um risco significativo. O impacto prolongado da seca pode levar a uma crise mais profunda, afetando desde a produção agrícola até o abastecimento de água e energia nas principais regiões metropolitanas do país.
O Brasil se encontra em um ponto crítico, onde a gestão eficiente dos recursos naturais e a implementação de políticas públicas eficazes serão essenciais para mitigar os efeitos da seca e evitar uma nova espiral inflacionária que comprometa a estabilidade econômica em 2025.
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