A proposta de redução da jornada de trabalho no Brasil trouxe à tona um intenso debate entre trabalhadores, políticos e empresários. Apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), a iniciativa propõe diminuir a carga horária de 44 para 36 horas semanais e eliminar a escala 6×1, que prevê apenas um dia de descanso por semana. Apesar de contar com apoio popular, a medida é vista com preocupação por representantes do setor varejista, como Sérgio Mena, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
Em entrevista, Mena destacou que a proposta pegou o empresariado de surpresa. “Não estava no nosso radar”, afirmou o executivo. Ele acompanhava a movimentação enquanto participava de uma conferência do setor em Nova York e apontou que, caso aprovada, a mudança pode inviabilizar negócios, especialmente em segmentos que dependem de alta intensidade de mão de obra, como o varejo farmacêutico.
Impactos no setor de farmácias
O Brasil possui 32 mil farmácias, das quais 11 mil são representadas pela Abrafarma, que concentra 49% das operações do setor e realiza cerca de 1,1 bilhão de atendimentos anuais. Segundo Mena, a proposta terá impactos significativos, especialmente em farmácias menores.
“Se as grandes redes enfrentarem dificuldades, imagine as farmácias pequenas, que faturam uma média de R$ 600 mil por ano e precisam operar por 12 horas diárias”, alertou. Mena explicou que o custo de pessoal já é o principal custo do varejo, superando até o custo de ocupação. Ele citou como exemplo a necessidade de manter farmacêuticos e atendentes presentes durante todo o horário de funcionamento das lojas, o que tornaria inviável reduzir a jornada sem comprometer o atendimento ao público.
Além disso, a mudança exigiria a contratação de mais profissionais para cobrir folgas e horários reduzidos, mas a falta de mão de obra qualificada é um desafio. “Hoje contamos com cerca de 30 mil farmacêuticos nas lojas. Com a redução, precisaríamos de dois a mais por loja, mas não há pessoal suficiente disponível no mercado”, afirmou.
Reação e mobilização
A proposta ganhou força nos últimos meses e já alcançou 2 milhões de assinaturas em um abaixo-assinado organizado por um ex-balconista de farmácia, recém-eleito vereador no Rio de Janeiro. A deputada Erika Hilton anunciou na última quarta-feira (13/11) que conseguiu as 171 assinaturas necessárias para protocolar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
“Graças à mobilização da sociedade, conseguimos avançar”, afirmou Hilton. A proposta, entretanto, ainda enfrenta um longo caminho no Congresso Nacional, passando pela análise de uma comissão especial, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário antes de sua aprovação.
Análise do setor empresarial
Para Sérgio Mena, a proposta tem caráter populista e ignora as particularidades do setor varejista, que depende de operação contínua e alta rotatividade de mão de obra. Ele destacou que, enquanto a redução de carga horária pode trazer benefícios em outros setores, como indústria e escritórios, no varejo farmacêutico os impactos seriam desproporcionais.
“Adoraria trabalhar menos, mas como entregar resultado e atender ao público em um setor como o nosso? Entre o que eu gostaria e o que preciso entregar, existe uma distância”, disse.
Mena também enfatizou a necessidade de audiências públicas e uma análise criteriosa dos impactos econômicos e sociais da proposta. “Espero que o Congresso crie um fórum adequado de discussão, que escute todas as partes interessadas, desde empregadores até consumidores e trabalhadores”, afirmou.
Perspectivas e desafios
Apesar das críticas, o debate sobre a redução da jornada de trabalho reflete uma demanda crescente por melhores condições no ambiente laboral. Trabalhadores do setor relatam acúmulo de funções e jornadas exaustivas, o que impulsiona o apoio à proposta.
No entanto, para Mena, é necessário buscar alternativas que considerem a sustentabilidade do setor. “Estamos falando de empregos, impostos, salários e a base da economia. É um tema complexo que precisa de soluções equilibradas”, concluiu.
A tramitação da PEC segue como um dos temas mais polêmicos do momento, dividindo opiniões entre os benefícios prometidos para os trabalhadores e os desafios impostos ao setor produtivo. Enquanto isso, o debate sobre a modernização das leis trabalhistas no Brasil ganha cada vez mais relevância.
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