De cidades históricas a desertos encantados, o maior país da África investe em estrutura e mira quintuplicar o número de visitantes até 2030. Mas o processo de visto ainda é desafio para brasileiros.
Por Fernanda Cappellesso | Especial
Em meio ao avanço do turismo no continente africano, um país pouco explorado pelos brasileiros começa a despontar como joia rara entre as opções para quem busca cultura, aventura e experiências autênticas: a Argélia. Localizada no norte da África, com costas banhadas pelo Mar Mediterrâneo e territórios vastos que se estendem até o deserto do Saara, a nação tem investido de forma estratégica para reposicionar sua imagem internacional, antes marcada por conflitos e instabilidade, e agora voltada ao turismo sustentável e à valorização de seu rico patrimônio histórico.
Em 2023, a Argélia recebeu 3,3 milhões de visitantes, sendo 2,2 milhões de estrangeiros e 1,1 milhão da diáspora argelina. O número é modesto quando comparado a vizinhos como o Marrocos, que atraiu 14,5 milhões de turistas no mesmo período. No entanto, o governo argelino é ambicioso: quer quintuplicar os números até 2030, alcançando a marca de 15 milhões de turistas por ano.
Para isso, aposta na modernização da infraestrutura, na flexibilização do sistema de vistos para estrangeiros e na promoção internacional de seus atrativos — que vão desde cidades romanas preservadas, como Timgad, até o Parque Nacional Tassili n’Ajjer, uma das maiores concentrações de arte rupestre pré-histórica do planeta.
Capital vibrante e patrimônio milenar
Argel, a capital do país, é o principal ponto de entrada dos turistas. Com cerca de 3 milhões de habitantes, a cidade combina a grandiosidade da arquitetura colonial francesa à ancestralidade árabe da Casbah, o coração antigo da metrópole. Tombada como Patrimônio Mundial pela Unesco, a Casbah é um labirinto de ruelas íngremes, casas caiadas e mercados tradicionais. A paisagem se completa com a Basílica de Notre-Dame d’Afrique, em estilo bizantino, de onde se tem uma vista privilegiada do Mediterrâneo.
Outra cidade que atrai olhares é Constantina, conhecida como a “Cidade das Pontes”. Suspensa sobre cânions e conectada por viadutos impressionantes, ela abriga ruínas romanas, universidades e mesquitas que testemunham séculos de história e convivência religiosa.
Mas o que realmente cativa os viajantes mais ousados é o interior do país. No deserto do Saara, regiões como Djanet e o Parque Nacional Tassili n’Ajjer abrem um portal para a pré-história: são mais de 15 mil pinturas rupestres catalogadas, datadas de até 12 mil anos. Um dos destinos favoritos dos europeus que buscam ecoturismo e trilhas no deserto, o local ainda é pouco conhecido dos brasileiros.
“Argélia é uma síntese da história africana e mediterrânea”
Para o historiador e antropólogo Paulo José Matarazzo, da Universidade de Lisboa, a Argélia é um dos países mais completos do ponto de vista histórico. “O território argelino foi atravessado por fenícios, romanos, árabes, otomanos e franceses. A diversidade de camadas culturais que ali se encontram é impressionante. É possível visitar ruínas romanas como as de Timgad ou Djemila em um dia e, no seguinte, tomar chá com nômades tuaregues no Saara”, explica.
Segundo ele, a Argélia representa um “despertar africano” em termos de turismo, com foco em um público que valoriza autenticidade, segurança e experiências de contato direto com comunidades tradicionais. “É um destino para viajantes experientes e não para turistas de pacote”, completa.
Quanto custa viajar para a Argélia?
A viagem à Argélia ainda não é barata, principalmente pela escassez de voos diretos a partir do Brasil. Voos com escalas saindo de São Paulo ou Rio de Janeiro para Argel custam entre R$ 5 mil e R$ 8 mil, com conexões em Madri, Paris ou Istambul.
Dentro do país, no entanto, os custos são baixos. A acomodação em hotéis três estrelas parte de 30 euros por noite. Restaurantes oferecem refeições completas por valores entre 4 e 10 euros. Alugar um carro com motorista para circular entre cidades pode custar 50 euros por dia, e pacotes de aventura no deserto saem por cerca de 600 a 900 dólares por cinco dias, com tudo incluído.
Para o guia turístico argelino Karim Boumediene, que atua na região de Tamanrasset, o fluxo de brasileiros ainda é tímido. “Recebemos mais italianos, franceses e alemães. Mas muitos brasileiros estão descobrindo o país pelas redes sociais. O desafio ainda é a burocracia para o visto e o desconhecimento sobre a segurança, que hoje é muito alta nas regiões turísticas”, afirma.
E para quem deseja morar na Argélia?
Com custo de vida mais baixo do que o da maioria dos países europeus, a Argélia começa a atrair também estrangeiros que buscam residir no país, seja por motivos profissionais ou de aposentadoria. Nas principais cidades, como Argel e Orã, é possível alugar apartamentos mobiliados por valores entre 200 e 400 euros mensais. Serviços de saúde são públicos e gratuitos, embora clínicas particulares também estejam disponíveis com preços acessíveis.
Segundo a economista e especialista em mobilidade internacional Camila Rangel, a Argélia pode ser uma opção viável para nômades digitais e aposentados. “O país tem bom custo-benefício, internet de qualidade razoável nas cidades, sistema bancário funcional e excelente gastronomia. Mas é fundamental dominar o francês ou o árabe, pois poucas pessoas falam inglês fora dos hotéis e universidades”, explica.
Ela aponta que é possível viver confortavelmente com 600 a 800 euros mensais em Argel, valor que inclui moradia, alimentação e transporte.
Desafios para o turismo crescer
Apesar do avanço, a Argélia ainda enfrenta barreiras importantes. O sistema de vistos permanece burocrático, exigindo cartas-convite ou comprovantes de hospedagem formal. A ausência de campanhas globais de marketing turístico e a limitação de voos internacionais dificultam o acesso ao país. Além disso, a imagem internacional da Argélia ainda carrega os estigmas da guerra civil dos anos 1990.
O governo tem prometido reformas no sistema consular, com facilitação progressiva do e-visa e abertura de novas rotas aéreas, inclusive com o Brasil. Em 2024, Argel sediará a primeira Feira Internacional de Ecoturismo e Turismo de Aventura do Norte da África, com o objetivo de atrair operadoras e jornalistas estrangeiros.
O que levar na mala e na mente
A melhor época para visitar a Argélia é entre outubro e abril, quando as temperaturas são mais amenas, especialmente no Saara. Recomenda-se trajes discretos, principalmente em regiões tradicionais. Mulheres estrangeiras não são obrigadas a usar véu, mas devem cobrir os ombros e evitar roupas curtas fora das praias.
O idioma oficial é o árabe, mas o francês é amplamente falado nas cidades. A moeda local é o dinar argelino, e a troca de câmbio deve ser feita em bancos oficiais ou casas autorizadas.
Um destino a ser descoberto
A Argélia é uma síntese rara de África, Mediterrâneo e Oriente Médio. Para viajantes que buscam sair do roteiro comum, oferece um mergulho em milênios de história, hospitalidade genuína e paisagens que vão da areia vermelha do deserto às águas azuladas do Mediterrâneo. Ainda é necessário preparo e espírito explorador, mas o país se firma como um dos destinos mais promissores da próxima década.
“A Argélia não é um país para quem quer turismo enlatado. É para quem quer sentir o cheiro da história, ouvir o silêncio do deserto e ser recebido com chá e pão quente por famílias que vivem como há mil anos. É uma experiência transformadora”, resume a pesquisadora Camila Rangel.
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