Cantor e compositor sertanejo, Matheus, acusa artista nordestino de gravar músicas sem autorização. O caso levanta debate sobre direitos autorais na música brasileira.
A acusação feita por Matheus Aleixo, da dupla Matheus & Kauan, contra o cantor Heitor Costa trouxe à tona uma prática silenciosa, mas recorrente, na indústria musical brasileira: a regravação de músicas sem autorização dos autores. O episódio, que teve ampla repercussão nas redes sociais, revela fragilidades estruturais no respeito aos direitos autorais, especialmente nos circuitos regionais de gêneros como piseiro e arrocha.
Em vídeo publicado em suas redes sociais, Matheus denunciou que a música Nossa Praia é Amar, composta por ele e César Zocante, foi regravada por Heitor Costa sem qualquer consulta ou liberação. “Uma música minha, composição minha, que eu gravei junto com o Kauan, foi recentemente gravada e está sendo amplamente usada nas redes sociais, em vídeos virais, em várias plataformas digitais, sem pedir autorização, sem conversar comigo, sem falar com a minha equipe”, declarou.
Logo após a repercussão, Heitor Costa também gravou um vídeo, no qual pediu desculpas ao compositor e alegou que essa teria sido sua “primeira vez” cometendo esse tipo de erro. No entanto, apuração do Diário Tocantinense indica que a prática de gravar músicas sem autorização é mais comum do que parece — Não apenas com o cantor em questão mas com diversos outros da região Nordeste.
Para esclarecer os bastidores dessa dinâmica, o Diário Tocantinense ouviu com exclusividade um especialista em gestão musical que atua há mais de 15 anos entre editoras, compositores e escritórios de arrecadação no Norte e Nordeste do país. O profissional, que preferiu não se identificar para evitar desgastes no setor, confirmou que a prática é conhecida nos bastidores e envolve padrões informais do mercado regional.
“No arrocha e no piseiro, é bastante comum os artistas produzirem discos com base no repertório que já cantam nos shows. O foco é o que viraliza nas redes. Muitas vezes, eles sequer verificam se a música está liberada. Gravaram, jogaram no YouTube ou no Spotify, e só depois é que pensam em regularizar — se pensam. É um problema que se arrasta há anos”, explicou.
Segundo o especialista, os escritórios de direitos autorais na região trabalham com campanhas educativas, mas enfrentam desafios devido ao grande volume de produções e à informalidade na cadeia de distribuição. “Tem compositor que nem sabe que a música dele foi gravada por outro artista. E tem artista que grava sem sequer procurar a editora. É cultural, mas não é legal — nem justo.”
Ainda segundo ele, um dos agravantes mais frequentes é a violação de cláusulas de exclusividade. “Já aconteceu, e continua acontecendo, de um artista pagar pela exclusividade de uma música por dois anos, e, de repente, outro artista lança a mesma faixa no Nordeste. Quando se consulta a editora, a resposta é clara: não foi liberado. Gravaram sem autorização. Isso gera conflitos, prejuízos e, às vezes, quebra de contratos que envolvem alto investimento.”
Com o avanço das plataformas digitais, os compositores passaram a ter ferramentas para proteger suas obras. No YouTube, é possível acionar o Content ID e aplicar um strike, que bloqueia ou derruba vídeos não autorizados. No Spotify e em outras plataformas de streaming, os sistemas de gestão de conteúdo permitem a retirada de músicas indevidas. No entanto, como explica o especialista, esse processo é corretivo — e não preventivo.
“O strike prejudica diretamente o artista infrator: reduz alcance, derruba engajamento e bloqueia monetização. Mas o ideal seria que isso nem acontecesse. O correto é pedir autorização antes de gravar, e respeitar os contratos de exclusividade. É o básico.”
O caso entre Matheus Aleixo e Heitor Costa não é isolado, mas ganhou destaque por envolver nomes de grande alcance. Ainda não há confirmação de que a equipe de Matheus & Kauan irá recorrer judicialmente. Por ora, o episódio funciona como alerta: o mercado musical brasileiro, apesar da profissionalização crescente, ainda convive com práticas que ferem a base do respeito autoral — o direito de quem cria ser consultado, reconhecido e remunerado por sua obra.
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