Governo deve liberar mais de R$ 600 bilhões a partir de 1º de julho, mas produtores de Goiás e Tocantins cobram acesso real ao crédito e alertam para burocracia e subvenção falha
O governo federal anuncia nesta terça-feira (1º) o Plano Safra 2025/2026 com expectativa de liberar o maior volume de recursos da história: mais de R$ 600 bilhões para a agricultura empresarial e familiar. A proposta, no entanto, esbarra em preocupações recorrentes de produtores do Norte e Centro-Oeste do país, como juros elevados, burocracia no acesso às linhas de crédito e falhas na execução do seguro rural.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pediu oficialmente R$ 594 bilhões ao Ministério da Agricultura, com reforço de pelo menos R$ 4 bilhões para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). O valor superaria os R$ 584,5 bilhões anunciados na safra passada, mas o aumento nominal não alivia os gargalos enfrentados em campo.
“Não é só o valor. O problema está em como esse recurso chega até a gente. Ano passado, tentei financiar via Pronamp, mas os bancos exigiram garantias fora da minha realidade. E o seguro rural? Sumiu. Só quem já tem histórico consegue. O pequeno e médio seguem de fora”, diz o produtor Itê Andrade, de Colinas do Tocantins.
Setor cobra execução, não só anúncio
O Plano Safra 2025/26 será anunciado em duas etapas: a primeira, nesta segunda-feira (30), voltada à agricultura familiar, com as novas regras do Pronaf. A segunda, nesta terça (1º), incluirá crédito para grandes e médios produtores rurais, por meio de linhas como Pronamp, LCA, CPR e investimentos em armazenagem, irrigação e energia.
Segundo fontes da CNA, o setor espera uma sinalização clara de que os recursos serão efetivamente operacionalizados. Em 2024, houve bloqueios no orçamento do seguro rural, com cerca de R$ 445 milhões contingenciados, o que frustrou agricultores que haviam contratado apólices.
“No papel, o plano foi bonito. Mas na prática faltou dinheiro para o seguro e sobrou exigência para conseguir o financiamento. Ficamos descobertos. Quem planta sem seguro, planta no escuro”, resume Pedro Henrique da Silva, produtor de soja em Rio Verde (GO).
Juros, garantias e risco climático travam o acesso
Outro ponto crítico é o custo do crédito. Com a taxa Selic acima de 14% ao longo do último ciclo, muitos produtores relataram desistência de financiamentos. Linhas de investimento em maquinário e infraestrutura perderam competitividade, principalmente fora do eixo Sul-Sudeste.
No Tocantins, onde o crescimento do agro depende da expansão de crédito e cobertura de risco climático, as falhas se somam. “A gente teve veranico e perda de 30% na safra de arroz, mas a seguradora alegou que a subvenção estava suspensa. Até hoje não recebi nada”, diz Maria Tereza Franco, produtora de grãos e leite em Gurupi.
Além disso, produtores apontam que os recursos concentram-se nos grandes polos e cooperativas mais estruturadas. “Os bancos pedem tudo: laudo, garantias reais, histórico. Se você é pequeno, não tem acesso. Se é médio, depende de favores. Não tem isonomia”, afirma Itê Andrade.
CNA pede mais verbas para o seguro e maior previsibilidade
Entre as propostas da CNA para este ciclo, destacam-se:
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Aumento do crédito com juros controlados: R$ 435,5 bilhões solicitados;
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Ampliação do seguro rural: pleito de R$ 4 bilhões para o PSR;
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Recursos livres e sustentáveis: estímulo ao crédito verde e agricultura regenerativa;
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Desburocratização do acesso ao Pronaf e Pronamp.
A entidade também cobra previsibilidade e execução. “Não adianta anunciar subvenção e depois contingenciar o orçamento. O produtor planeja com base nisso. Se o seguro falha, a segurança alimentar do país está em risco”, diz em nota a CNA.
Tocantins e Goiás: produção cresce, mas com riscos
Tanto Tocantins quanto Goiás têm ampliado sua produção agrícola nos últimos anos, com destaque para a soja, o milho, o arroz e a pecuária de corte. No entanto, a dependência de crédito e de proteção contra intempéries climáticas tem aumentado. Em 2024, segundo dados da Faet, mais de 60% dos produtores do Tocantins que tentaram contratar seguro não conseguiram concluir o processo.
No sudoeste goiano, região referência do agro nacional, o discurso é semelhante: crédito existe, mas falta democratização e foco no médio produtor.
“Os grandes estão cobertos. O pequeno tem apoio no Pronaf. Mas o médio — que é quem gira a roda — está esmagado entre juros, garantias e insegurança jurídica”, alerta Pedro Henrique.
Anúncio oficial será feito com presença do presidente
O governo deve apresentar o plano nesta terça-feira (1º), em cerimônia oficial com participação do presidente da República, ministros da Agricultura, Fazenda e Planejamento, além de representantes do setor produtivo.
A expectativa é que o plano detalhe linhas específicas para investimento, irrigação, armazenagem, compra de insumos, financiamento de máquinas agrícolas, crédito para a agricultura familiar e subsídios ao seguro rural.
A transmissão será feita ao vivo pelos canais do Planalto e do MAPA.
Produtor resume o sentimento do setor
“A gente não quer só um anúncio bonito. Queremos poder ir ao banco e sair de lá com o recurso na mão, seguro contratado e lavoura protegida. O campo precisa de crédito com credibilidade”, diz Itê Andrade.
Enquanto os números oficiais não são divulgados, o sentimento nas lavouras é de cautela. A colheita de confiança virá apenas quando o recurso, de fato, chegar ao chão.
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