Especialistas em comunicação e cultura digital analisam como o enlace do casal mobiliza afeto, audiência e receita em escala industrial
Com uma cerimônia intimista em uma fazenda em Goiás, transmitida por stories e comentada ao vivo por portais e perfis de celebridades, o casamento da influenciadora Virgínia Fonseca e do cantor Zé Felipe transformou-se em mais do que um rito pessoal: tornou-se um evento transmídia que mistura emoção, posicionamento de marca e audiência massiva. No centro da discussão, uma pergunta incômoda: trata-se de amor verdadeiro ou de uma estratégia de marketing bem-sucedida?
Os números impressionam. Segundo levantamento da consultoria Métrica Influencer Lab, os conteúdos relacionados ao casamento geraram mais de 100 milhões de visualizações em 48 horas, somando postagens no Instagram, TikTok e YouTube. Marcas citadas direta ou indiretamente no evento — desde o buffet ao vestido de noiva — viram crescimento de até 300% nas buscas em ferramentas como Google Trends. Um anel, um vestido e uma valsa movimentaram mais que muitos lançamentos de campanha nacional.
“A lógica do casamento hoje, especialmente entre influenciadores, se aproxima da lógica do entretenimento e da publicidade. Não é uma distorção do amor — é uma nova forma de midiá-lo”, analisa a pesquisadora Lívia Duarte, especialista em cultura digital.
Casamento como ativo narrativo
Desde o início do relacionamento, Virgínia e Zé Felipe transformaram cada etapa do vínculo em capítulos compartilhados com o público: o pedido, a gravidez, o parto, a compra da casa, a reforma, a agenda da família, o batizado das filhas. Em cada momento, a estética, a narrativa e o engajamento foram conduzidos com a mesma lógica de um reality show fragmentado em pílulas de conteúdo.
“Cada casal tem sua narrativa de amor. O que muda aqui é que essa narrativa está completamente integrada ao ecossistema de negócios da família e do casal”, diz o consultor Hugo Matta, especialista em branding e influência digital. Segundo ele, o casamento é mais do que um símbolo afetivo: é um produto estratégico de longo prazo que movimenta diferentes frentes — da música sertaneja à publicidade de consumo infantil.
Entre o sagrado e o impulsionado
Para a socióloga Rafaela Manso, o fenômeno precisa ser lido em duas camadas: a do conteúdo e a do público. “O conteúdo é roteirizado, cuidadosamente editado e planejado para conversão. Mas o público reage com afeto genuíno. Ele vê amor, acompanha como se acompanhasse a novela da vida real. Isso cria uma ambiguidade: sabemos que é marketing, mas queremos acreditar no romance”, analisa.
A monetização está em cada detalhe: dos looks patrocinados ao contrato com plataformas de streaming. “Não é apenas a cerimônia que importa. O pós-casamento é ainda mais relevante em termos comerciais. É quando vêm os vídeos de bastidores, os publis de marcas que participaram do evento, os memes, as entrevistas. A lua de mel é conteúdo programado”, complementa Matta.
E o amor?
A exposição, contudo, não invalida o sentimento. Para a psicóloga Mariana Ayres, é possível que amor e marketing coexistam. “A vida pública de figuras como Virgínia e Zé Felipe é necessariamente mediada por contratos, audiência e imagem. Isso não quer dizer que o vínculo entre eles seja menos real. Mas a forma como ele é apresentado sempre passará por filtros de capitalização”, explica.
Ela aponta que, nos relacionamentos hipervisíveis, há um peso simbólico: o casal deixa de pertencer apenas a si. “O público se sente autorizado a comentar, julgar e até fiscalizar o relacionamento. Isso gera tensão constante entre intimidade e performance.”
Uma nova indústria do casamento
Especialistas veem o casamento de influenciadores como parte de um novo setor da economia digital: o mercado de celebrações transmídia. Cerimônias deixam de ser eventos familiares e se tornam experiências de marca — com roteiros, contratos, conteúdo exclusivo e ciclos de monetização prolongados.
“É o modelo de reality perene: a vida como espetáculo contínuo”, define Lívia Duarte. E o público, ao clicar, compartilhar e comentar, participa ativamente da engrenagem.
A dúvida que fica, para muitos, não é se o amor existe. Mas sim: quanto dele é espontâneo — e quanto foi planejado para a próxima grande publicação?
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