Entenda os principais pontos da ação penal contra o ex-presidente, as acusações apresentadas pela Polícia Federal e como o julgamento pode afetar o cenário político nacional
Por Fernanda Cappellesso I Brasília (DF) — O ex-presidente Jair Bolsonaro tornou-se réu em uma das ações penais mais emblemáticas da história recente da política brasileira. A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitar a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) marca uma nova etapa do processo que investiga a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, articulada nos bastidores do poder e que culminou nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.
A denúncia, embasada em provas colhidas pela Polícia Federal, gravações, trocas de mensagens e delações premiadas, coloca Bolsonaro no centro de um esquema que, segundo as autoridades, visava anular o resultado das eleições de 2022, desacreditar o sistema eleitoral e convocar apoio das Forças Armadas para um golpe institucional.
O que está na denúncia
Bolsonaro foi denunciado por incitar e articular uma tentativa de ruptura institucional. A peça da PGR se baseia em três núcleos principais:
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Núcleo político: que teria incluído Bolsonaro, ministros e aliados diretos em ações para desacreditar o sistema eleitoral;
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Núcleo militar: composto por oficiais da reserva e da ativa, incluindo ex-comandantes das Forças Armadas, que teriam discutido um plano de intervenção;
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Núcleo de mobilização popular: formado por influenciadores, parlamentares e empresários que financiaram acampamentos e protestos golpistas.
A Polícia Federal afirma ter encontrado provas contundentes de que Bolsonaro conspirou ativamente para tentar impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Em nota, a defesa do ex-presidente nega qualquer envolvimento e afirma que se trata de “perseguição judicial”.
Juristas explicam o alcance da acusação
Segundo a professora de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB), Ana Carolina Silva, o processo tem implicações profundas.
“Estamos diante de um caso inédito: um ex-presidente da República acusado formalmente de tentar romper com a ordem democrática. A gravidade da denúncia reside no fato de que ela não se restringe a retórica golpista, mas apresenta indícios de ação coordenada com setores militares e civis.”
Já o advogado criminalista André Amaral, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), destaca o rigor técnico do trabalho da PF:
“Há uma linha de tempo bem documentada que liga o discurso público de Bolsonaro à articulação privada. O uso das redes sociais, os encontros reservados com comandantes militares e os pedidos de apoio internacional formam um conjunto que será difícil de desconstruir.”
Como o processo afeta a política nacional
O impacto da ação penal vai muito além da figura de Bolsonaro. A transformação do ex-presidente em réu muda completamente o tabuleiro da direita brasileira e coloca o PL, seu partido, em uma posição estratégica delicada.
Além disso, a ação reabre o debate sobre a inelegibilidade de Bolsonaro, já determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e pressiona aliados que ainda tentam manter sua imagem como liderança incontestável.
“O processo força o campo bolsonarista a buscar novas lideranças ou reformular seu discurso. O desafio é manter a base mobilizada sem cair na radicalização que levou ao 8 de janeiro”, analisa o cientista político Rodrigo Lemos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Próximos passos do julgamento
Com o recebimento da denúncia, o processo segue para a fase de instrução criminal, em que testemunhas serão ouvidas, documentos periciados e provas validadas. Bolsonaro terá o direito de se defender, apresentar contraprovas e recorrer das decisões.
O relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes, que também conduz outros inquéritos relacionados aos ataques de 8 de janeiro. Segundo fontes do STF, a expectativa é que o processo tenha desdobramentos ao longo de 2025.
Caso condenado, Bolsonaro poderá cumprir pena de reclusão e ser alvo de ações cíveis de reparação, além de permanecer inelegível por mais de uma década.
Riscos institucionais e estabilidade democrática
O julgamento também representa um teste para as instituições brasileiras. O STF busca preservar sua independência diante de pressões políticas, enquanto setores da sociedade defendem que o devido processo legal seja seguido com transparência e serenidade.
“O Brasil precisa provar para si mesmo que é capaz de lidar com crimes contra a democracia usando os instrumentos do próprio Estado de Direito. Não pode haver julgamento político, mas também não pode haver impunidade”, afirma a jurista e ex-ministra do STJ Eliana Calmon.
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