*Jessica Farias
Nos últimos anos, o Brasil registrou um aumento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial. Dados da Serasa Experian indicam que houve crescimento de 70% no total de recuperações em 2023 e de 71% somente no primeiro semestre de 2024, em comparação ao mesmo período do ano anterior. O fenômeno é reflexo de um cenário econômico adverso, que combina juros elevados, restrições no crédito e impactos econômicos persistentes da pandemia.
Para empresas em situação de crise, no entanto, existem alternativas ainda pouco exploradas. Entre elas, a recuperação extrajudicial que oferece benefícios específicos, como a possibilidade de negociações menos onerosas e mais direcionadas. Ao contrário do procedimento judicial, a recuperação extrajudicial permite que o plano de recuperação seja estruturado diretamente entre empresa e credores, sem a necessidade de aprovação de todos os envolvidos. Esse formato é particularmente interessante para empresas que enfrentam dificuldades financeiras pontuais, mas que ainda têm viabilidade operacional.
Vantagens e desafios da recuperação extrajudicial
Uma das principais vantagens da recuperação extrajudicial é a rapidez do processo, que requer uma intervenção mínima do Judiciário. Com isso, a empresa pode negociar seu plano diretamente com os credores, necessitando apenas da adesão de mais de 50% dos créditos abrangidos. Esse aspecto reduz o tempo e os custos processuais, possibilitando um planejamento mais ágil, vantajoso tanto para a empresa quanto para os credores.
Apesar dos benefícios, a recuperação extrajudicial ainda é subutilizada no país. Em 2020, uma reforma na legislação incluiu inovações como o “stay period” – período em que as execuções contra a empresa são suspensas para que ela negocie com credores –, o que deveria impulsionar o uso dessa alternativa. No entanto, o crescimento esperado não se concretizou.
A resistência a esse tipo de recuperação se explica por vários fatores. Primeiro, a cultura empresarial brasileira tende a considerar a recuperação judicial como a solução mais abrangente, ainda que seja mais lenta e custosa. Além disso, a ausência de uma regulamentação específica para o financiamento DIP (debtor-in-possession), que concede crédito para empresas em dificuldades, restringe o uso da recuperação extrajudicial. O financiamento DIP, essencial para reestruturações em mercados como os EUA, ainda enfrenta barreiras jurídicas no Brasil.
Outro desafio é a venda de unidades produtivas isoladas (UPIs), prática comum na recuperação judicial que permite alienar ativos sem transmitir dívidas. Na recuperação extrajudicial, a falta de uma previsão legal específica para essa venda afasta investidores interessados em segurança jurídica nas transações.
Potencial da recuperação extrajudicial no contexto econômico atual
Para que a recuperação extrajudicial alcance seu potencial, reformas legislativas e adaptações são essenciais. Regulamentações que assegurem maior previsibilidade e atratividade para investidores e credores podem incentivar o uso do instrumento. Além disso, a atuação dos tribunais na interpretação de lacunas legais e na aplicação de jurisprudência favorável ao processo contribuiria para sua consolidação.
Em um cenário de incerteza econômica, a recuperação extrajudicial tem o potencial de se firmar como uma ferramenta estratégica para empresas em dificuldade. Sua flexibilidade, menor custo e agilidade são atrativos significativos, que poderiam ser melhor aproveitados com o estímulo a práticas de mediação e conciliação durante o processo, facilitando o engajamento dos credores e promovendo acordos benéficos para ambas as partes.
*Jéssica Farias é advogada e administradora judicial.
Relacionado
Link para compartilhar: