Projetos que elevam gastos obrigatórios sem indicar fonte de receita preocupam especialistas e pressionam o equilíbrio das contas públicas
O Congresso Nacional analisa uma série de propostas legislativas com alto potencial de impacto nas contas públicas — as chamadas “pautas-bomba”. Essas matérias, em sua maioria, envolvem o aumento de despesas obrigatórias sem a devida compensação orçamentária, o que tem gerado apreensão entre economistas, técnicos do governo e agentes do mercado financeiro.
Na avaliação de especialistas, a eventual aprovação dessas propostas ameaça o equilíbrio fiscal do país e compromete a capacidade do Executivo de realizar investimentos em áreas estratégicas como saúde, educação, infraestrutura e segurança pública.
“Estamos diante de um cenário fiscal já desafiador. Medidas que aumentam gastos permanentes sem indicar de onde virá o dinheiro representam um risco real de deterioração fiscal. Isso impacta diretamente a confiança dos investidores e pode gerar efeitos sobre os juros, a inflação e o crescimento econômico”, afirma o economista Thiago Zampaio, consultor legislativo.
Entre as propostas em tramitação, destacam-se a ampliação de benefícios para servidores, a criação de pisos salariais em setores diversos e a recomposição automática de perdas de arrecadação para estados e municípios. Todas essas medidas, embora apresentadas como respostas a demandas legítimas, não indicam fontes claras de financiamento — o que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Para analistas da área técnica do Ministério da Fazenda, o maior problema é o caráter permanente dessas despesas. “Mesmo que se consiga acomodar o impacto no orçamento de um ano, isso cria uma rigidez que engessa ainda mais a gestão fiscal nos anos seguintes”, pontua um técnico da pasta sob condição de anonimato.
O alerta também parte do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Instituto Fiscal Independente (IFI), que apontam para o risco de o país repetir ciclos de instabilidade macroeconômica vividos em décadas anteriores. De acordo com levantamento do IFI, ao menos R$ 45 bilhões em novas despesas estão em discussão no Congresso sem previsão orçamentária clara.
Além da pressão fiscal, essas medidas aumentam o custo da dívida pública. Com o aumento do risco percebido, o Tesouro Nacional pode ter de pagar juros mais altos para captar recursos no mercado, o que retroalimenta o desequilíbrio e reduz a margem de manobra do governo.
Pressão política
O avanço das pautas-bomba se dá, em grande parte, por pressões corporativas, lobby de categorias específicas e pelo ambiente de disputa política, em que parlamentares buscam atender demandas locais ou de suas bases eleitorais. Em muitos casos, essas propostas ganham força justamente em momentos de tensão entre o Executivo e o Legislativo.
Para conter os danos, o governo tenta negociar alternativas que amenizem os efeitos das medidas, mas nem sempre encontra apoio no Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já defendeu maior responsabilidade na tramitação dessas matérias, mas enfrenta resistência de bancadas organizadas.
Risco para serviços essenciais
Com o orçamento engessado por obrigações legais e vinculações constitucionais, a aprovação de novas despesas sem compensação tende a sacrificar os investimentos públicos. Obras de infraestrutura, programas sociais e repasses para áreas como ciência e tecnologia podem sofrer cortes.
“O problema não é atender a demandas legítimas, mas fazer isso sem planejamento fiscal. Quando se gasta mal ou sem controle, o resultado é a restrição dos recursos onde mais se precisa deles”, alerta Zampaio.
A expectativa é de que, nas próximas semanas, o governo federal reforce a articulação política para tentar barrar ou, ao menos, condicionar a aprovação das propostas a medidas compensatórias. Caso contrário, o país pode assistir à reedição de um velho problema: o populismo fiscal, com consequências de longo prazo para a estabilidade econômica.
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