Rica em ingredientes regionais e marcada por uma fusão de heranças indígenas, sertanejas e sertanistas, a culinária tocantinense começa a ocupar um novo lugar na cena gastronômica brasileira. Pratos tradicionais como o chambari, o arroz com pequi, a paçoca de carne de sol e o biscoito de polvilho doce vêm sendo redescobertos por chefs renomados e valorizados em festivais gastronômicos de alcance nacional.
O reconhecimento recente dessa cozinha não acontece por acaso. Com uma identidade forte, marcada por sabores do cerrado e do norte do país, o Tocantins vem investindo em ações para valorizar sua gastronomia e conectar a tradição à inovação. Exemplo disso é o Festival Gastronômico de Taquaruçu, realizado em Palmas, que em 2024 completou sua 17ª edição, reunindo 38 pratos inscritos, divididos em categorias como comidinhas salgadas, pratos doces, food trucks e receitas feitas por boleiros e culinaristas locais.
Segundo o chef Rafael Braga, que tem atuado em projetos de valorização da culinária regional em restaurantes do Tocantins e do Centro-Oeste, a cozinha tocantinense reúne uma riqueza de possibilidades. “O chambari, por exemplo, é um prato simples, de origem humilde, mas quando bem executado e servido com farofa crocante e pimentas da região, conquista qualquer paladar. A banana-da-terra assada, com creme de queijo do cerrado, é outra que surpreende em qualquer festival”, afirma.
Já a boleira e cozinheira tradicional Ana Paula Coelho, participante do festival de Taquaruçu, destaca a importância de manter a essência dos pratos. “Tem muito chef chegando com técnica e apresentação de prato moderno, mas a base ainda é o que a gente aprendeu com mãe e avó: comida com afeto, com produto da terra, feita no tempo certo. Eu sigo fazendo meu arroz com pequi do mesmo jeito que minha avó fazia em Natividade”, conta.
Entre os ingredientes mais usados e celebrados estão o pequi, o jatobá, o murici, a pimenta-de-macaco, a mandioca e o queijo artesanal do cerrado. A presença desses itens na criação de novos pratos já desperta o interesse de chefs fora do estado, como alguns participantes da Cozinha Show — atração do festival que traz nomes da gastronomia nacional para trabalhar com ingredientes locais ao vivo, diante do público.
A pesquisadora em gastronomia Tomásia Parrião, que desenvolve estudos sobre culinária tradicional no Norte do Brasil, destaca que o Tocantins tem potencial para se tornar referência no turismo gastronômico. “Existe uma força de identidade muito grande na comida do Tocantins, e isso, quando combinado com técnica, pesquisa e valorização dos pequenos produtores, tem potencial para colocar o estado em roteiros gastronômicos ao lado de destinos como Belém, Salvador e Recife”, avalia.
Além de impulsionar a economia criativa, a culinária tocantinense reforça o vínculo entre alimento, cultura e território. Nos pratos típicos que começam a brilhar nos festivais — como o arroz de cuxá tocantinense, o chambari reinventado em versões veganas, ou o picadinho de carne de sol com purê de banana-da-terra — está a expressão de um povo, de um cerrado que alimenta, e de um futuro que valoriza suas raízes.
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