Especialistas apontam lacunas na regulação do marketing de influência e destacam riscos à proteção do consumidor em ambientes de aposta online
A convocação da influenciadora Virgínia Fonseca à Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas (CPI das Bets) intensificou o debate sobre os limites éticos e jurídicos da atuação de celebridades digitais na promoção de plataformas de jogos e apostas. Com mais de 45 milhões de seguidores nas redes sociais e forte apelo comercial, Virgínia é um dos nomes mais populares do marketing de influência no Brasil.
O requerimento para convocação foi aprovado na Câmara dos Deputados com o argumento de que a influenciadora participou de campanhas publicitárias que, supostamente, promovem casas de apostas sem deixar claro os riscos associados aos jogos de azar online. A CPI investiga se influenciadores estariam contribuindo para alavancar empresas envolvidas em esquemas de lavagem de dinheiro e manipulação de resultados no futebol brasileiro.
Embora a convocação tenha repercutido nas redes com críticas e apoio dividido, juristas alertam para a gravidade do tema. Para a professora Joana Siqueira, doutora em Direito e especialista em regulação digital pela ESPM, o episódio revela a urgência de um marco regulatório específico para o marketing de influência.
“A atuação de influenciadores está no centro de uma nova lógica de publicidade, onde a linha entre opinião pessoal e promoção comercial nem sempre está clara. No caso das apostas, o risco ao consumidor é potencializado, e é preciso responsabilidade civil e transparência na comunicação”, afirma Joana.
A defesa de Virgínia deve se basear no direito ao silêncio previsto no artigo 5º da Constituição, conforme reforçado em decisão recente do ministro Gilmar Mendes (HC 256081). O entendimento do Supremo Tribunal Federal é que convocados à CPI não são obrigados a produzir provas contra si mesmos, o que deve proteger a influenciadora de autoincriminação durante o depoimento.
Contudo, parlamentares da comissão afirmam que o objetivo não é criminalizar influenciadores, mas compreender a cadeia de publicidade envolvida e sugerir mudanças na legislação. O presidente da CPI, deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), declarou que “os influenciadores precisam entender que são formadores de opinião e, quando promovem plataformas que podem prejudicar milhões de brasileiros, têm uma parcela de responsabilidade que o país ainda não regulamentou”.
Além de Virgínia Fonseca, outros nomes estão sendo analisados para depoimento, incluindo artistas, youtubers e atletas que mantêm contratos com casas de apostas.
A convocação ocorre em um contexto de crescente preocupação social com a proliferação de plataformas digitais de apostas, especialmente entre jovens. Segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas, o número de brasileiros que acessaram sites de apostas ao menos uma vez por semana dobrou entre 2021 e 2024. A ausência de controle parental e a gamificação das plataformas são apontadas como fatores de vulnerabilidade entre adolescentes e adultos com menor letramento financeiro.
A CPI também analisa a atuação de intermediários e agências de marketing que terceirizam contratos com influenciadores, muitas vezes sem o devido compliance sobre as atividades das empresas contratantes. “O marketing de influência hoje é um mercado multimilionário, mas opera, na prática, com pouca transparência e quase nenhuma fiscalização”, reforça Joana Siqueira.
O caso de Virgínia Fonseca pode se tornar um marco. Se, por um lado, expõe o descompasso entre a velocidade das redes e a lentidão do aparato jurídico; por outro, impõe ao Congresso a missão de regulamentar com clareza o papel dos criadores de conteúdo em setores de alto risco — como o das apostas online, que movimentou mais de R$ 12 bilhões no Brasil em 2024, segundo dados da Associação Nacional de Jogos e Apostas.
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