Mobilizações nacionais, resistência jurídica e disputa política fazem da anistia o teste mais sensível para o Legislativo em 2025
A proposta de anistiar os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 reaqueceu o embate institucional entre Congresso, sociedade civil e juristas em 2025. Dois anos depois dos atos que chocaram o país com a invasão do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, o perdão coletivo divide bancadas, mobiliza multidões e ameaça desestabilizar a agenda política do primeiro semestre legislativo.
Enquanto deputados da oposição trabalham para pautar o projeto e pressionar a base governista, do lado de fora, movimentos sociais, entidades jurídicas e lideranças religiosas progressistas organizam uma reação coordenada, classificando a proposta como “anistia ao golpismo” e “licença para novos ataques à democracia”.
💥 A batalha da Esplanada: atos e contramovimentos
No último fim de semana, a Esplanada dos Ministérios foi palco de um ato unificado contra a proposta. O evento reuniu representantes de 18 estados, incluindo frentes sindicais, juristas, defensores públicos, associações de vítimas da ditadura militar e militantes de movimentos negros, indígenas e feministas. A cena foi simbólica: cartazes com a frase “Golpe não se anistia” estampavam faixas e camisetas sob o olhar atento da imprensa internacional.
“O que está em jogo aqui é mais do que o passado — é o futuro da nossa democracia. Anistiar crimes contra o Estado de Direito é abrir caminho para a repetição”, afirmou a jurista Flávia Maranhão, presente no ato.
Ao mesmo tempo, lideranças evangélicas e católicas progressistas emitiram uma carta aberta pedindo ao Congresso que não vote a anistia. “A fé não compactua com a impunidade institucionalizada”, afirma o documento, que já reúne mais de 5 mil assinaturas de padres, pastores, rabinos e representantes de comunidades tradicionais.
⚖️ Juristas alertam: “anistia é inconstitucional e moralmente inaceitável”
Do ponto de vista jurídico, a proposta de anistiar crimes praticados contra o Estado Democrático de Direito enfrenta críticas duras. Para o constitucionalista Cláudio Azevedo, professor da PUC-SP, a medida representa uma ruptura com os princípios do devido processo legal e da responsabilidade penal individual.
“A anistia só pode alcançar crimes políticos no sentido estrito. Os atos de 8 de janeiro não foram manifestações políticas: foram crimes organizados, com financiamento, planejamento e execução voltada à ruptura institucional”, argumenta o especialista.
Ministros do Supremo Tribunal Federal, em declarações reservadas, classificaram a proposta como “inadmissível” e indicaram que, se aprovada, será questionada judicialmente por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs).
🧭 Clima tenso no Congresso: partidos rachados e obstrução
No Congresso, a anistia se tornou o tema mais sensível do ano legislativo até aqui. Enquanto a oposição — liderada por setores do PL, Republicanos e parte do PP — aposta na proposta como símbolo de sua narrativa de “perseguição política”, o governo e parte do centro trabalham para evitar que o tema ganhe tração.
A tentativa de votação do requerimento de urgência foi, até o momento, frustrada. O PL, embora tenha força numérica, não alcançou as assinaturas necessárias. Partidos como PSD e União Brasil revelaram falta de consenso interno, e a base aliada do governo Lula reforçou a posição de que a pauta prioritária é a economia.
“Não há clima para votar essa proposta agora. Ela divide o Parlamento, não tem apoio popular e pode contaminar outras pautas importantes, como a Reforma Tributária 2.0”, disse um líder do Centrão, sob condição de anonimato.
🧩 A estratégia de Bolsonaro: blindar o entorno e manter base fiel
A insistência na anistia tem também um componente estratégico eleitoral. O ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível até 2030 por decisão do TSE, tenta proteger aliados próximos e manter a coesão de sua base ideológica. Integrantes do seu núcleo político admitem que a proposta tem baixa chance de aprovação, mas cumpre um papel simbólico: manter vivo o discurso de que os presos e investigados são “perseguidos políticos”.
No entanto, essa estratégia tem custo. A aproximação com a narrativa golpista tende a afastar setores mais moderados do eleitorado, especialmente os do agronegócio e do empresariado que desejam estabilidade jurídica e previsibilidade econômica.
📊 Oposição interna e projeção de tramitação
Na prática, mesmo que o requerimento de urgência seja aprovado, a proposta ainda precisaria passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois pelo plenário. Dada a falta de consenso e a pressão da opinião pública, líderes avaliam que o projeto tende a ser engavetado ou adiado indefinidamente.
Além disso, parlamentares da base governista cogitam apresentar projetos que criminalizam o incentivo a atos antidemocráticos e vedam anistias futuras em crimes contra o Estado de Direito. “O que precisamos não é de perdão indiscriminado, mas de reformas que fortaleçam as instituições”, defendeu a deputada federal Joana Tavares (PSB-SP).
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