Operação da Polícia Federal expõe esquema que afetou aposentados e pensionistas; governo tenta conter danos com mudanças no comando e promessa de ressarcimento
Um escândalo de grandes proporções atingiu o coração da política previdenciária brasileira. Segundo levantamento da Polícia Federal, entre 2019 e 2024, mais de 4,1 milhões de aposentados e pensionistas foram alvo de descontos indevidos em seus benefícios do INSS, resultando em um prejuízo estimado de R$ 6,3 bilhões aos segurados. A prática envolvia cobranças não autorizadas de mensalidades por associações e sindicatos, muitas vezes sem qualquer vínculo com os beneficiários.
A revelação da fraude provocou uma reação em cadeia no governo federal: o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi afastado, e, em seu lugar, foi nomeado Gilberto Waller Júnior, que até então ocupava cargo na Controladoria-Geral da União. A crise também derrubou o ministro da Previdência Carlos Lupi, substituído por Wolney Queiroz (PDT-PE), ex-líder do governo Lula na Câmara.
A engenharia da fraude: descontos em massa e a omissão institucional
A investigação conduzida em parceria entre a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal aponta para um esquema sistêmico de inclusão automática de filiações a entidades associativas, com autorizações falsas ou inexistentes. Os descontos variavam entre R$ 15 e R$ 60 por mês, e foram aplicados diretamente no contracheque dos beneficiários.
Para o advogado e especialista em direito previdenciário Marcos Ferreira, o caso escancara falhas de fiscalização:
“Esses descontos dependem de autorização expressa do segurado. O volume de casos demonstra que houve, no mínimo, omissão grave por parte do INSS. A responsabilidade administrativa é inescapável.”
Troca no comando e reação do governo
O Palácio do Planalto tratou o caso como prioridade de contenção de danos. Em nota, a Casa Civil afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou a apuração de todas as responsabilidades, tanto administrativas quanto criminais. Fontes do governo ouvidas reservadamente pela reportagem apontam que a queda de Carlos Lupi foi inevitável após a exposição do esquema e a pressão de centrais sindicais.
O novo ministro, Wolney Queiroz, afirmou em coletiva nesta quinta-feira (9) que o governo irá ressarcir os valores cobrados indevidamente, priorizando os segurados em situação de vulnerabilidade. Segundo ele, será criado um sistema simplificado de reembolso, com cronograma a ser divulgado nas próximas semanas.
Impacto político e pressão no Congresso
No Congresso, parlamentares da oposição acusaram o governo de “negligência continuada” na proteção dos aposentados. Já a base governista tenta blindar o Palácio do Planalto, alegando que o esquema teria começado ainda no governo anterior e se perpetuado por fragilidade sistêmica.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) protocolou requerimento para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI do INSS).
“Mais de 4 milhões de pessoas foram roubadas de forma silenciosa. Precisamos saber quem permitiu isso”, disse o parlamentar.
O que muda para o segurado?
A Controladoria-Geral da União (CGU) recomendou a suspensão imediata de todos os descontos classificados como “associativos” até que sejam comprovadas as autorizações. Para os segurados, isso significa que a partir do pagamento de junho, nenhuma nova cobrança desse tipo poderá ser debitada automaticamente.
O novo presidente do INSS, Gilberto Waller, disse que será criada uma plataforma digital para consulta e cancelamento de descontos, além de reforço na central 135.
Especialistas cobram reformulação da fiscalização no INSS
Para a economista Regina Calegari, pesquisadora de políticas públicas de envelhecimento, a crise exige mais do que medidas pontuais:
“Estamos diante de um colapso ético-institucional. O INSS lida com uma população altamente vulnerável e precisa urgentemente rever seus mecanismos de autorização, transparência e responsabilização contratual com terceiros.”
A especialista defende ainda que a autarquia crie um código de conduta para entidades que desejam estabelecer convênios com aposentados, com cláusulas de auditoria periódica.
Próximos passos: rastreamento, devolução e responsabilizações
O governo trabalha em três frentes:
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Mapear as entidades que receberam os recursos e avaliar se houve conivência de servidores públicos.
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Estabelecer um calendário de devoluções via Dataprev, com foco inicial nos maiores valores e nos beneficiários com BPC (Benefício de Prestação Continuada).
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Aprofundar a apuração criminal contra intermediários e empresas que participaram do esquema.
O caso ainda pode gerar responsabilizações civis e criminais, além de ações coletivas já sendo organizadas por entidades como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e defensorias públicas estaduais.
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