Divergência de discursos entre lideranças dos EUA e do Brasil marca o cenário internacional e provoca reações no Itamaraty e entre analistas de política externa
Enquanto Donald Trump intensifica a retórica sobre armamento e conflito em sua pré-campanha nos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma o compromisso do Brasil com a diplomacia e o diálogo multilateral. A divergência entre os dois discursos, um centrado na dissuasão bélica e outro na resolução pacífica de conflitos, reflete visões opostas sobre o papel das nações no atual cenário geopolítico — e pode influenciar a inserção internacional do Brasil nos próximos anos.
Nos Estados Unidos, Trump voltou a usar discursos que defendem o aumento do orçamento militar, o fortalecimento da OTAN por meio de pressão sobre aliados e uma postura agressiva em relação à China e ao Oriente Médio. Em recentes aparições, ele sugeriu que a “fraqueza” do Ocidente teria incentivado a guerra na Ucrânia e insinuou que retomaria uma agenda de enfrentamento direto contra adversários estratégicos dos EUA. A fala tem eco em setores conservadores do eleitorado americano e entre líderes do Partido Republicano que defendem uma política externa baseada na força.
Em contrapartida, Lula tem ampliado sua presença em fóruns multilaterais com o discurso de que a paz exige mediação, desenvolvimento e integração regional. Durante eventos do G20, da Celac e na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro vem insistindo que a reconstrução do multilateralismo passa pelo Sul Global e pelo respeito à soberania dos povos. Em sua fala mais recente, em Genebra, Lula declarou que “o mundo precisa de pontes, não de muros”.
Impactos para o Brasil
A estratégia discursiva adotada por Lula tem como meta ampliar a presença diplomática do Brasil em negociações internacionais sobre conflitos, clima e comércio. Para o professor de Relações Internacionais da UFRJ, Carlos Milani, “Lula aposta em um soft power baseado no legado histórico do Brasil como mediador e defensor da autodeterminação dos povos. Isso gera dividendos diplomáticos, especialmente entre países do Sul Global, mas pode gerar atritos com aliados tradicionais em tempos de radicalização geopolítica”.
Já para a professora Fernanda Magnotta, da FAAP, a postura do Brasil “contrasta com uma visão hegemônica que volta a ganhar força com Trump e outros líderes da nova direita mundial. Isso obriga o Itamaraty a calibrar o discurso, principalmente nas negociações bilaterais, para manter relações pragmáticas sem abrir mão dos princípios históricos”.
Cenário internacional em disputa
Especialistas apontam que a reaproximação de Trump com a retórica da guerra afeta diretamente debates sobre segurança global, financiamento de defesa e tensões no Leste Europeu, Ásia e Oriente Médio. A possível volta dele à Casa Branca reacende preocupações com o unilateralismo e o esvaziamento de instituições como a ONU e a OMS.
Por outro lado, o discurso de Lula ecoa entre países emergentes e ganha respaldo em debates sobre mudanças climáticas, segurança alimentar e cooperação global. A presença brasileira em grupos como BRICS+, G20 e CELAC tem sido usada como vitrine para essa agenda, que busca protagonismo sem alinhamento automático a blocos militares.
No atual tabuleiro geopolítico, as eleições americanas e a movimentação de lideranças globais como Lula indicam um embate de visões: poder baseado em armas versus influência baseada no diálogo. O Brasil aposta na diplomacia como diferencial estratégico. Mas, num mundo cada vez mais polarizado, a manutenção dessa rota exigirá equilíbrio, firmeza e capacidade de articulação multilateral.
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