Projeto de lei quer incentivar contratação de pessoas com mais de 60 anos no serviço público e reacende debate sobre etarismo institucional
O Brasil tem atualmente 32,1 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, segundo dados do Censo 2022. Isso representa 15,6% da população — uma alta de mais de 56% em comparação com 2010. As projeções do IBGE indicam que, até 2030, a população idosa será numericamente superior à de crianças e adolescentes de até 14 anos, alterando de forma definitiva a estrutura etária do país.
Apesar do envelhecimento acelerado, apenas 23,3% dos idosos estão inseridos no mercado de trabalho, de acordo com a Pnad Contínua. Entre os que trabalham, mais da metade (53,5%) atua na informalidade. E entre os que estão fora do mercado, muitos ainda sustentam suas casas: levantamento da CNDL e do SPC Brasil aponta que 52% dos idosos são os principais responsáveis pela renda familiar. Outros 42% afirmam estar em busca de emprego, mas 88% relatam sequer serem chamados para entrevistas.
Diante desse cenário, o deputado Carlos Gaguim (União Brasil-TO) apresentou o Projeto de Lei 3661/2023, que altera o Estatuto da Pessoa Idosa com o objetivo de instituir uma política nacional de contratação de idosos no serviço público. A proposta obriga órgãos da administração pública direta e indireta — da União, estados e municípios — a adotarem programas específicos de inclusão de pessoas com mais de 60 anos.
“O serviço público precisa dar o exemplo. A experiência dos idosos é valiosa e deve ser aproveitada. Eles não podem ser descartados. Precisamos inverter essa lógica”, defende o parlamentar.
Etarismo ainda é barreira invisível
O projeto de Gaguim reacende o debate sobre o preconceito etário (ou etarismo) no Brasil, considerado por especialistas uma das formas mais silenciosas de exclusão no mercado de trabalho. Em muitos casos, trabalhadores maduros são automaticamente descartados de processos seletivos, mesmo tendo currículo e experiência compatíveis com as vagas.
Para a economista Ana Amélia Camargo, é preciso reposicionar a experiência como um ativo:
O envelhecimento populacional não é um problema, é uma transformação. O problema é quando o Estado e o mercado ignoram isso. Precisamos transformar a maturidade em capital social e econômico, avalia.
A socióloga Patrícia Vale, concorda e aponta o funcionalismo como espaço estratégico para essa política.
O setor público é mais estruturado, tem estabilidade e previsão de carreira. É o ambiente ideal para que profissionais mais velhos contribuam com sua bagagem. Falta apenas vontade política, afirma.
Proposta prevê metas e programas de requalificação
O texto do PL 3661/2023 prevê que os entes federativos adotem metas de contratação para pessoas acima de 60 anos, programas de capacitação voltados para a atualização digital dessa faixa etária, além da possibilidade de criação de editais exclusivos ou preferenciais para esse público.
Segundo Gaguim, a iniciativa não busca substituir outras políticas de inclusão, mas somar-se a elas:
— Hoje falamos muito sobre inclusão racial, de gênero, de pessoas com deficiência, e isso é fundamental. Mas precisamos lembrar que o idoso também sofre exclusão. E com o envelhecimento da população, esse debate vai se tornar ainda mais urgente — diz o deputado.
A proposta já está em tramitação na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados. Se aprovada, seguirá para análise nas comissões de Trabalho e Constituição e Justiça.
A nova realidade etária brasileira
O envelhecimento populacional tem consequências diretas nas políticas públicas. Segundo dados do Ipea, em 6 de cada 10 lares com pessoas idosas, a renda vinda dessa população representa mais da metade do total familiar. A expectativa de vida no Brasil é de 76 anos, e muitos idosos, mesmo aposentados, continuam trabalhando para complementar a renda ou manter a autonomia.
Enquanto o debate sobre a reforma da Previdência, o envelhecimento ativo e a longevidade avança, a questão da inclusão produtiva dos idosos ainda é pouco tratada de forma institucional. Para especialistas, iniciativas como a proposta de Gaguim são uma oportunidade de alinhar a legislação à realidade demográfica.
“Não se trata de favor, mas de justiça social e inteligência institucional. O envelhecimento é o maior desafio da nossa geração, e não pode ser tratado com invisibilidade”, afirma Patrícia Vale.
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