Projeto do PSOL proíbe uso da estrutura pública para gerar receita digital pessoal e é reação direta a práticas adotadas por deputados como Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer
Um projeto de lei que proíbe parlamentares e ocupantes de cargos eletivos de monetizarem conteúdos nas redes sociais durante o exercício do mandato começou a avançar na Câmara dos Deputados. De autoria dos deputados federais Chico Alencar e Tarcísio Motta (ambos do PSOL-RJ), o PL 672/2024 foi aprovado no dia 10 de junho pela Comissão de Administração e Serviço Público da Casa.
O texto foi apresentado após reportagem do Intercept Brasil revelar que o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), o mais votado do país em 2022, transformou seu gabinete em uma produtora de conteúdo digital com fins lucrativos. A matéria expôs que vídeos postados por ele nas redes sociais — com milhões de visualizações — são gravados, roteirizados e editados por funcionários pagos com dinheiro público, o que levanta suspeitas de uso indevido da máquina legislativa para benefício pessoal.
Além de Nikolas, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) também foi citado na investigação. Ambos integram a base bolsonarista no Congresso e figuram entre os principais nomes do que tem sido chamado nos bastidores de “bancada influencer” — um grupo de parlamentares que utiliza redes como Instagram, YouTube e TikTok para ampliar alcance político, reforçar narrativas e, muitas vezes, desinformar.
O que propõe a Lei
Se aprovado em definitivo, o PL 672/2024 poderá tipificar como improbidade administrativa qualquer obtenção de vantagem econômica — direta ou indireta — por conteúdo publicado com o auxílio de estrutura pública. Isso inclui uso de câmeras, iluminação, edição, redes de assessores e estúdios montados dentro dos gabinetes parlamentares.
A proposta não impede a presença de políticos nas redes sociais, mas veda o lucro pessoal gerado a partir de publicações produzidas com recursos públicos ou durante o expediente institucional.
Tramitando em caráter conclusivo, o projeto precisa ainda passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Caso seja aprovado ali, poderá seguir direto para o Senado, sem necessidade de votação em plenário.
A relatora do projeto, deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), deu parecer favorável. “É inacreditável que existam parlamentares vendendo acesso a bastidores do Congresso como produto exclusivo, enquanto usam a estrutura pública para isso. É uma distorção ética que precisa ser enfrentada”, afirmou em nota nas redes sociais.
O projeto ganhou informalmente o apelido de “Lei Anti-Nikolas”, numa referência direta ao principal alvo da medida.
Impacto direto nos parlamentares-influencers
A aprovação da proposta poderá alterar drasticamente o modelo de atuação de figuras como Nikolas Ferreira, que mantém canais com milhões de inscritos e atua com linguagem de “criador de conteúdo”. As redes sociais passaram a ser um braço político e financeiro de alguns parlamentares, e a lei visa restringir justamente essa transformação do mandato em negócio digital.
A repercussão tem sido intensa entre aliados e opositores do deputado. Para críticos, a medida busca responsabilizar o uso indevido de verba pública. Para apoiadores de Nikolas, trata-se de uma tentativa de censura à atuação política digital.
Nikolas ironiza e liga projeto à crise do IOF
Em meio ao avanço do projeto, Nikolas voltou a chamar atenção ao ironizar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que entrou de férias no último fim de semana, em meio ao pico de críticas sobre a elevação do IOF para operações no exterior.
Em vídeo publicado na rede X (antigo Twitter), o deputado escreveu: “Fugiu – de novo. Mas o problema nem é quando ele tira férias, é quando ele volta delas”. A postagem teve milhares de curtidas e compartilhamentos, sendo replicada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. A crítica foi reproduzida pela CNN Brasil.
O vídeo é mais um exemplo da estratégia digital constante do deputado, que transforma pautas econômicas e políticas em conteúdo voltado para viralização. É justamente essa conduta que está sob análise do projeto de lei.
Caminhos e resistência
Mesmo com apoio de parte da esquerda e de setores da centro-direita, o projeto deve encontrar resistência na CCJ, especialmente entre deputados ligados ao bolsonarismo e à bancada evangélica, onde Nikolas tem base sólida.
Segundo fontes ouvidas pelo Diário Tocantinense, há articulação para tentar descaracterizar a proposta como tentativa de censura ou enquadramento ideológico. Os autores do projeto negam qualquer motivação partidária e sustentam que a proposta visa proteger o erário público e impedir enriquecimento indevido com recursos institucionais.
“O projeto não proíbe que deputados estejam nas redes. Ele apenas estabelece que a estrutura pública não pode ser usada como produtora de conteúdo para monetização pessoal”, diz trecho da justificativa.
Transparência e reação política
A chamada Lei Anti-Nikolas marca um divisor de águas na relação entre política e redes sociais. Se aprovada, será o primeiro mecanismo legal que limita a monetização institucional do mandato, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de transparência no uso de recursos do poder público.
A proposta também reacende o debate sobre desinformação, influência política digital e limites éticos do marketing de mandato — temas cada vez mais centrais no ambiente legislativo.
Acompanhe o andamento do projeto:
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Número: PL 672/2024
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Autoria: Chico Alencar e Tarcísio Motta (PSOL-RJ)
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Situação: Aprovado na Comissão de Administração e Serviço Público
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Próxima etapa: Análise na CCJ da Câmara
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