Reparação para famílias separadas pela hanseníase no século passado é instituída em lei

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sanciona nesta sexta-feira (24) a lei que institui indenização em formato de pensão vitalícia aos filhos daqueles que ficaram isolados em colônias de pessoas acometidas pela hanseníase no século passado e foram separados de seus pais. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, participa da cerimônia, no Palácio do Planalto, em Brasília. A nova legislação é uma reparação histórica à decisão do Estado brasileiro que vigorou desde a década de 1920, época em que pessoas com a doença recebiam determinação de isolamento compulsório, o que perdurou por mais de meio século.

Conforme estimativa do Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (MORHAN), aproximadamente 15 mil pessoas podem ser beneficiadas diretamente pela nova lei. Há cerca de 5,5 mil pessoas acometidas pela hanseníase que chegaram a ser isoladas compulsoriamente e ainda estão vivas.

A lei também estabelece novo parâmetro de valor para a indenização das pessoas que foram isoladas compulsoriamente na época e ainda estejam vivas. O valor não poderá ser inferior a um salário mínimo por mês. Esse mesmo parâmetro mínimo resguarda os filhos das pessoas isoladas, que agora passam a ter direito a pensão. A regulamentação dos valores de indenização e dos trâmites burocráticos para recebê-la ocorrerá em decreto posterior.

O isolamento de pessoas com hanseníase ocorreu de forma mais intensa até a década de 1950, sendo reduzida a partir dos anos 60. Mas até 1976 era respaldada oficialmente pelo Estado e durou na prática até 1986, em casos mais raros, como revelaram apurações sobre o assunto. O grupo de pacientes mantido naquela mesma época em isolamento domiciliar nas florestas e seringais – e não em colônias – acaba de ser incluído na nova legislação, que sucede a Lei 11.520, de 2007. São pessoas especialmente da região Norte do país, com especial destaque para moradores do município de Cruzeiro do Sul, no Acre.

Doença determinada socialmente

Tanto o diagnóstico quanto o tratamento da hanseníase são totalmente gratuitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde contabiliza em média 21 mil novos casos de hanseníase por ano no país. A hanseníase é uma das 11 doenças que fazem parte do Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente (CIEDDS), que atua para eliminação enquanto problema de saúde pública. De forma inédita, nove ministérios se reuniram para elaborar estratégias de eliminação de doenças que acometem, de forma mais intensa, as populações de maior vulnerabilidade social.

Coordenado pelo Ministério da Saúde, o grupo irá funcionar até janeiro de 2030. Dados da pasta apontam que, entre 2017 e 2021, as doenças determinadas socialmente foram responsáveis pela morte de mais de 59 mil pessoas no Brasil. O plano de trabalho inicial inclui enfrentar 11 dessas enfermidades – como malária, esquistossomose, Doença de Chagas e hepatites virais – além da transmissão vertical da sífilis, hepatite B e do HIV. Essa estratégia está prevista nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

A meta é que a maioria dessas doenças sejam eliminadas como problema de saúde pública – são elas: Doença de Chagas, malária, hepatites virais, tracoma, filariose, esquistossomose, oncorcercose e geo-helmintíases. Para outras enfermidades, como tuberculose, HIV e hanseníase, o objetivo é atingir as metas operacionais de redução e controle propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) até 2030. Já para doenças como HIV, sífilis e hepatite B, a meta é eliminar a transmissão vertical, ou seja, quando a doença é passada de mãe para filho.

A instalação do CIEDS é parte da premissa que garantir o acesso apenas ao tratamento em saúde não é suficiente para atingir essas metas. É preciso propor políticas públicas intersetoriais que sejam voltadas para a equidade em saúde e para a redução das desigualdades sociais, fator diretamente ligado às causas do problema.

Entre os avanços deste ano, o SUS também passou a disponibilizar teste rápido para a avaliação de contatos dos pacientes de hanseníase, indicado para uso na atenção primária. O objetivo é identificar entre os contatos dos pacientes aqueles com maior chance de adoecer e que, por isso, devem receber acompanhamento mais cuidadoso. A partir do próximo ano, a estimativa é de que o SUS passe a ofertar, ainda, dois novos exames laboratoriais de biologia molecular para hanseníase.

Hanseníase
A hanseníase é uma doença negligenciada que afeta milhares de pessoas em todo o mundo, principalmente em países em desenvolvimento. O controle representa um desafio para os sistemas de saúde. Um aspecto crucial a ser considerado são os determinantes sociais em saúde, fatores que influenciam diretamente a incidência, a disseminação e o controle da hanseníase.

Devido à alta quantidade de registros anuais, a doença ainda é considerada um problema de saúde pública. Em 2021, o número de registros alcançou 18 mil casos, com 11,2% dos pacientes considerados como grau 2 de incapacidade física — quando são identificadas lesões consideradas graves nos olhos, mãos e pés. A doença tem cura e o tratamento é oferecido gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS).

Entre as ações para eliminação da doença, o Ministério da Saúde também lançou a Estratégia Nacional para Enfrentamento à Hanseníase 2023-2030 que apresenta a visão de um Brasil sem a doença. Para tanto, é encorajado e apoiado que os 75,03% dos municípios do país com casos notificados no período de 2015 e 2019 intensifiquem as ações de enfrentamento, buscando envolver os setores de saúde, educação social, bem como incentivo aos 24,97% dos municípios que não apresentaram casos a adotar medidas específicas para aprimoramento da vigilância em saúde e para a prevenção de incapacidades físicas decorrentes da hanseníase.

O documento parte de uma construção tripartite, com a participação de diferentes entidades do setor e busca apoiar as ações de luta contra a hanseníase. Para que o alcance dessas metas seja possível, é importante garantir informação e acesso aos serviços de saúde para a população.

A falta de conhecimento sobre a hanseníase e suas formas de transmissão pode levar à propagação da doença. A educação e a conscientização são fundamentais para o controle da hanseníase. Além disso, é necessário combater os estigmas associados, promovendo inclusão e participação social das pessoas afetadas.

 

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