s ruas do Brasil amanheceram coloridas por fé, arte e tradição nesta quinta-feira, 19 de junho. Milhares de pessoas se reuniram para confeccionar os tapetes de Corpus Christi — manifestações religiosas que, mais do que expressão de crença, são também símbolos de identidade coletiva, resistência cultural e transformação simbólica do espaço urbano.
A prática, que chegou ao Brasil com os colonizadores, se espalhou pelo território com características próprias. Em cada cidade, bairro ou comunidade, a confecção dos tapetes assume significados específicos: há quem celebre passagens bíblicas com desenhos minuciosos em serragem colorida, quem aproveite para incluir temas atuais como ecologia, paz, solidariedade e quem veja no gesto uma oportunidade de reconexão com vizinhos e familiares.
Tradição viva, fé que se renova
Os tapetes de Corpus Christi são obras efêmeras. Feitos de serragem, areia, flores, pó de café, sal, papel picado, tecidos ou até materiais recicláveis, duram apenas algumas horas. Mas sua construção começa dias antes, em reuniões silenciosas e acordos informais. É no planejamento que se define o tema, o traço, os símbolos e até os turnos de trabalho — um processo que mobiliza desde crianças até idosos, passando por artistas amadores e devotos anônimos.
Em 2025, algumas comunidades inovaram: usaram inteligência artificial para simular padrões de cor e organizar a distribuição dos desenhos. Em outras, a tradição seguiu firme: os desenhos foram feitos à mão, com serragem tingida naturalmente e flores colhidas no quintal.
O resultado, porém, é sempre o mesmo: uma avenida transformada em altar. Um bairro inteiro ajoelhado diante do sagrado. Uma cidade parada para acompanhar a passagem do Santíssimo Sacramento por um caminho de fé traçado com as próprias mãos.
Expressão coletiva e identidade visual
Os tapetes de Corpus Christi não são apenas ornamentais. Eles carregam mensagens. Em 2025, muitos traziam palavras de paz, imagens de crianças, pombas, cálices, corações partidos, olhos chorando, mapas do mundo. Algumas comunidades homenagearam vítimas de tragédias ambientais, outras pediram mais atenção à população em situação de rua. Não faltaram referências à fome, à solidariedade e à dignidade humana.
Ao lado das representações tradicionais — como o pão e o vinho, os anjos, a cruz, a figura de Cristo —, surgiram ícones contemporâneos: a Terra vista do espaço, árvores, mãos entrelaçadas, mensagens de esperança. A fé, como os materiais utilizados, se adapta, se reinventa.
Mobilização que ultrapassa o rito
Durante o feriado, milhares de pessoas participaram das missas campais e procissões. Mas antes disso, estiveram nas ruas por horas, às vezes em silêncio, curvadas sobre a serragem, compondo imagem por imagem, grão por grão. A construção do tapete é tão litúrgica quanto a celebração.
Em algumas regiões, o movimento é tamanho que impulsiona o turismo religioso, atrai visitantes de outros estados e aquece o comércio local. Em outras, é uma experiência mais íntima, quase doméstica. Em todas, é expressão de pertencimento. O tapete não é só do fiel que o fez, mas de quem passa por ele e reconhece ali a própria história, a própria fé.
Entre o sagrado e o popular
Mais do que uma tradição católica, os tapetes de Corpus Christi tornaram-se também parte da cultura brasileira. São marcas visuais que, por um dia, rompem a lógica do asfalto, do carro, da pressa, e colocam a arte no centro da cidade — literalmente aos pés de quem passa.
E mesmo sendo efêmeros, são registrados em fotos, lembranças, vídeos e narrativas familiares. Muitos guardam no celular imagens de tapetes feitos anos atrás. Outros mantêm a prática como uma herança: “Aprendi com meu avô e agora ensino aos meus filhos”, repete-se em diversas regiões.
A celebração de Corpus Christi em 2025 demonstrou, mais uma vez, que a arte dos tapetes vai além do gesto estético ou da devoção individual. É um exercício de memória coletiva, um pacto silencioso entre fé e território, uma forma de expressar esperança sobre o chão. Enquanto houver ruas, mãos disponíveis e desejo de comunhão, os tapetes continuarão a nascer — grão por grão, cor por cor — como pontes entre o sagrado e o cotidiano.
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