O governo federal sofreu nesta semana uma derrota inesperada na Câmara dos Deputados, após o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), pautar e conduzir com rapidez a aprovação do projeto que derruba o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), uma das medidas fiscais mais recentes do Ministério da Fazenda. O movimento foi interpretado no Planalto como um gesto de afronta institucional direta — agravado pela recusa de Motta em participar de reunião previamente marcada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto.
A matéria, votada de forma simbólica no Senado e aprovada com ampla maioria na Câmara (383 votos a favor e 98 contrários), revoga um decreto presidencial editado por Lula no início do ano, que visava aumentar a arrecadação por meio do IOF em operações de crédito, câmbio, seguros e títulos.
Em reportagem exibida pela CNN Brasil, analistas destacaram a desarticulação política do governo e a crescente autonomia da Câmara, que agora impõe sua agenda com pouca ou nenhuma negociação prévia com o Executivo.
Impacto fiscal imediato: R$ 10 bilhões a menos em caixa
Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, a revogação do novo IOF pode representar uma perda de até R$ 10 bilhões na arrecadação de 2025, comprometendo parte dos recursos previstos para programas sociais e recomposição do orçamento de ministérios. Técnicos da pasta alertam que o buraco fiscal gerado pela medida exigirá novos cortes, contingenciamentos ou compensações, agravando as dificuldades de atingir as metas fiscais já desidratadas após as mudanças no arcabouço.
O ministro Fernando Haddad evitou embates diretos com o Legislativo, mas afirmou que o decreto derrubado era uma “correção de distorções” no sistema tributário e parte de uma tentativa de “recompor justiça fiscal”.
Recusa de diálogo acirra tensão entre Congresso e Planalto
O principal ponto de atrito se deu na recusa de Hugo Motta em manter reunião com o presidente Lula. O encontro, marcado para às 11h30 de quarta-feira, foi suspenso unilateralmente após Motta confirmar, em redes sociais, a manutenção da pauta sobre o IOF — contrariando tentativa do Planalto de negociar a retirada do projeto.
Ministros como Alexandre Padilha e Rui Costa tentaram intervir, mas foram ignorados. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, classificou o gesto como “demonstração de força desnecessária” e criticou a articulação da base governista, que não conseguiu impedir a votação nem articular alternativa de negociação.
Nos bastidores, interlocutores do governo dizem que Motta teria agido deliberadamente para marcar posição frente à crescente pressão de líderes do Centrão, que veem no governo um parceiro frágil e dependente.
Análise política: o esvaziamento da liderança governista
O episódio escancara o esvaziamento progressivo da liderança política do governo dentro da Câmara, mesmo com a base numérica relativamente consolidada. A articulação do presidente da Casa ocorreu com apoio transversal de partidos do Centrão, do PL e até de setores do PSD — sigla com ministérios no governo. A ausência de interlocução direta com Motta, que comanda uma ala cada vez mais coesa da Casa, revela que Lula e seus articuladores perderam a capacidade de antecipar movimentos do Legislativo.
O gesto de Motta também é lido como ensaio para a sucessão no Congresso e preparação do terreno para as eleições de 2026. Ao enfrentar o Planalto publicamente e sair vitorioso, ele reforça sua posição como ator relevante nacional, aproximando-se de lideranças da direita e do centro expandido.
O que muda na prática: alívio para o crédito, tensão para o Tesouro
O IOF incide sobre uma série de operações cotidianas — como empréstimos, cartão de crédito, seguros e operações de câmbio. A medida derrubada por Motta previa aumentos graduais nas alíquotas, sob a justificativa de recomposição fiscal.
Com a revogação, o custo efetivo dessas operações deve cair levemente para o consumidor, mas o governo perde parte importante da arrecadação de curto prazo. A agenda de responsabilidade fiscal, já pressionada por resistências internas à contenção de gastos, ganha um novo obstáculo.
A reação do mercado financeiro foi moderada: embora houvesse expectativa de que o decreto se sustentasse, analistas já consideravam sua derrubada provável após os sinais de fragilidade do governo junto ao Congresso. Agentes do setor bancário comemoraram discretamente, alegando que o aumento do IOF afetaria a concessão de crédito.
O que vem agora: STF ou recuo estratégico?
O Planalto agora avalia dois caminhos: judicializar a derrubada do decreto junto ao STF, com o argumento de que a revogação extrapola competência legislativa; ou recuar, reconhecendo o desgaste e buscando alternativas de recomposição fiscal. Nenhuma decisão oficial foi comunicada até o momento.
Enquanto isso, Hugo Motta sinaliza que pode “ligar para Lula” nos próximos dias, em gesto de distensão. Mas o dano político já está consolidado: o Congresso mostrou que pauta quando quer, derruba quando pode e ignora quando julga conveniente.
Mais do que economia, um sinal de poder
A derrubada do IOF não é apenas uma vitória fiscal para quem se opõe à ampliação da carga tributária. É, acima de tudo, uma demonstração de força institucional do Legislativo sobre um Executivo que ainda tateia na articulação política.
A falta de controle sobre o timing da pauta, somada à ausência de interlocução eficaz com líderes da Câmara, impôs ao Planalto uma derrota mais simbólica do que fiscal — mas que acende o alerta para os próximos capítulos da governabilidade em tempos de coalizão instável.
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