Enquanto os representantes de Israel e Irã trocavam acusações diretas na reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, realizada nesta semana, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se destacou por adotar um discurso articulado, estratégico e centrado na necessidade de retomada da diplomacia internacional. A fala, feita durante o Fórum Econômico de São Petersburgo, serviu como contraponto à retórica bélica que dominou o plenário em Nova York.
Putin alertou para o risco de uma “escalada irreversível” no Oriente Médio e afirmou que a crise entre Teerã e Tel Aviv não deve ser reduzida a narrativas de defesa ou agressão, mas analisada como parte de uma disputa mais ampla por influência e legitimidade política. Em sua avaliação, a ONU perdeu força como mediadora, e potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos, têm contribuído para a instabilidade ao adotar posturas unilaterais.
— Quando se enfraquece o multilateralismo e se arma um dos lados do conflito de forma sistemática, o que se colhe é uma guerra prolongada — disse Putin. — A Rússia não deseja um Oriente Médio em chamas, mas um sistema internacional funcional, que respeite soberanias e direitos históricos de todos os povos, inclusive o povo palestino.
Danon e Iravani: confrontos verbais na ONU
A reunião do Conselho de Segurança foi solicitada após novos ataques aéreos entre Israel e Irã, os primeiros realizados diretamente por ambos os países em décadas. O embaixador israelense, Danny Danon, afirmou que “Israel age em legítima defesa” e acusou o Irã de manter um programa nuclear com fins militares, além de financiar milícias que atuam em países como Síria, Líbano e Iêmen.
Danon foi enfático ao afirmar que “o mundo falhou em conter o regime iraniano” e que Israel não aceitará passivamente ameaças existenciais. Segundo ele, a comunidade internacional assiste “com neutralidade perigosa” à expansão da influência iraniana no Oriente Médio.
Já o embaixador iraniano, Amir-Saeid Iravani, adotou uma linha discursiva mais jurídica, amparada no Artigo 51 da Carta da ONU, que reconhece o direito à autodefesa. Iravani acusou Israel de realizar ataques ilegais e extraterritoriais, afirmando que a resposta de Teerã é proporcional e legítima. Ele também alertou que qualquer apoio logístico ou militar a Israel será interpretado como cumplicidade internacional.
— Não aceitaremos que nos rotulem como agressores quando o que fazemos é defender nossa integridade territorial diante de décadas de provocação e ocupação — afirmou o embaixador.
A causa palestina volta à pauta
Embora não tenha sido o ponto central da reunião, a questão palestina foi citada por representantes do Irã, da Liga Árabe e de países do Sul Global, como Brasil, África do Sul e Indonésia. O embaixador palestino, em fala autorizada, afirmou que a escalada entre Irã e Israel não pode ser dissociada de décadas de impunidade e da não implementação das resoluções que preveem a criação de um Estado palestino soberano.
— A causa palestina permanece no centro do conflito regional. Sem justiça para o povo palestino, não haverá estabilidade — afirmou.
Desde a criação do Estado de Israel em 1948, cerca de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras na chamada Nakba. A ausência de uma solução negociada para a convivência entre dois Estados continua sendo o ponto de tensão mais profundo e simbólico do Oriente Médio moderno. Para muitos analistas, a contínua ocupação de territórios, os bloqueios em Gaza e as constantes operações militares israelenses alimentam um ciclo de radicalização que transcende fronteiras nacionais.
A diplomacia como ativo político
Para o cientista político André Castilho, especialista em relações internacionais, a fala de Putin deve ser interpretada menos como defesa do Irã e mais como sinalização de protagonismo diplomático em um cenário de desgaste das instituições multilaterais.
— Enquanto Israel e Irã disputam narrativas armadas, Putin aposta em ocupar o vácuo de liderança deixado pelos EUA na ONU. Ele não ignora seus próprios interesses, mas demonstra habilidade em se posicionar como ator racional, articulado e disposto à mediação — afirma Castilho.
Ainda segundo o especialista, a Rússia tem usado falas como essa para reforçar alianças com países árabes, fortalecer sua presença geopolítica fora da Europa e se apresentar como uma potência com capacidade de negociação e estabilidade.
— Em um mundo cada vez mais fragmentado, quem fala em nome da diplomacia e da razão se torna automaticamente um polo de escuta. E Putin está aproveitando isso com inteligência estratégica — conclui.
A ONU enfraquecida e o risco de nova guerra
A reunião do Conselho terminou sem resolução, com divisões internas e sem um texto final de consenso. O secretário-geral António Guterres fez um apelo por “contenção imediata e retomada do diálogo”, mas reconheceu que “as condições políticas para a paz estão se deteriorando rapidamente”.
Nos bastidores, diplomatas indicam que há movimentações de países do Sul Global para reabrir o debate sobre a representatividade e o poder de veto no Conselho de Segurança. A crise entre Israel e Irã — somada à estagnação da causa palestina — reacende o debate sobre a legitimidade das estruturas internacionais e sua capacidade de intervir preventivamente em crises complexas.
Enquanto isso, os ataques continuam. E a diplomacia, mais uma vez, chega atrasada.
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