Quem matou Marielle Franco e Anderson Gomes? Esta pergunta foi feita pelos brasileiros por cerca desde março de 2018, quando a vereadora e motorista foram executados no Rio de Janeiro. Foram mais de seis anos até que Ronie Lessa e Elcio Queiroz fossem presos. Outra pergunta que nunca calou é: quem mandou matar Marielle Franco? Também respondida recentemente quando Ronie Lessa resolveu fazer um acordo de delação premiada, expondo o deputado federal Chiquinho Brazão e seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de janeiro.
Agora, passados 6 anos, 7 meses e 17 dias depois do crime, o 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro condenou nesta quarta-feira (30) os assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O crime chocou o país e – até hoje – gera repercussão em todo o mundo.
O ex-policial militar Ronnie Lessa, o autor dos disparos naquela noite de 14 de março de 2018, recebeu a pena de 78 anos e 9 meses de prisão.
O também ex-PM Élcio Queiroz, que dirigiu o Cobalt usado no atentado, foi condenado a 59 anos e 8 meses de prisão.
Como firmaram acordos de delação premiada, no entanto, os tempos de execução de pena serão reduzidos.
“A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega. A Justiça chega para aqueles que como os acusados acham que jamais serão atingidos pela Justiça”, disse a juíza Lúcia Glioche na leitura da sentença (veja no final do texto a íntegra da sentença).
Diante do anúncio das sentenças, familiares das vítimas caíram em lágrimas no tribunal.
Os pais (Marinete e Antônio), a irmã (Anielle Franco) e a filha de Marielle (Luyara), e as viúvas dela (Mônica Benício) e de Anderson (Ágatha Reis) se abraçaram e aplaudiram, muito emocionados.
Os crimes
Ronnie e Élcio foram enquadrados nos seguintes crimes:
- duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima)
- tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado e prestou depoimento nesta quarta-feira.
- receptação do Cobalt prata, clonado, que foi usado no crime
Delação
Apesar das penas, Lessa e Élcio devem sair bem antes da cadeia. Os dois assinaram um acordo de delação premiada, que levou ao avanço das investigações – principalmente em relação aos mandantes.
No acordo, está previsto, entre outras coisas, que:
Élcio Queiroz ficará preso, no máximo, por 12 anos em regime fechado;
Ronnie Lessa ficará preso por, no máximo, 18 anos em regime fechado – e mais 2 anos em regime semiaberto.
Esses prazos começam a contar na data em que foram presos, em 12 de março de 2019 – um ano após o crime. Ou seja, 5 anos e 7 meses serão descontados das penas máximas.
Assim, Élcio pode deixar a cadeia em 2031, e Lessa iria para o semiaberto em 2037, e fica livre em 2039.
O acordo de cada réu, no entanto, pode ser anulado caso uma das obrigações dos delatores não seja cumprida. Por exemplo, caso fique comprovada alguma mentira na delação premiada.
Relembre o crime
Em 14 de maio de 2018, a vereadora Marielle Franco (PSOL) foi morta a tiros dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio, por volta das 21h30.
Além da vereadora, que levou quatro tiros na cabeça, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e morreu. Fernanda Chaves estava no banco de trás e foi atingida por estilhaços.
Os assassinos – Lessa e Queiroz – estavam em um Cobalt prata e seguiram Marielle desde a Casa das Pretas, na Lapa, onde ela participara de um evento em uma distância de cerca de 4 quilômetros. A dupla emparelhou ao lado do veículo onde estava a vereadora e disparou, fugindo sem levar nada.
A sentença
Confira abaixo a íntegra da Sentença proferida pela juíza Lúcia Glioche
Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.
Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.
A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.
Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.
A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.
Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.
A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.
A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?
Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.
Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.
Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.
Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.
Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.
Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.
Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.
Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:
A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.
A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.
A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:
a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie; a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.
Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.
Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.
Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.
Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.
Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.
Tenham todos uma boa-noite”.
(Com informações do Portal G1)
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