Direzione Investigativa Antimafia aponta rotas brasileiras como estratégicas para o envio de drogas à Europa. Porto de Santos é o mais citado. Cooperação com facções locais impulsiona esquema bilionário de tráfico e lavagem de dinheiro
O Brasil voltou ao centro das atenções internacionais no combate ao crime organizado transnacional após a publicação do mais recente relatório da Direzione Investigativa Antimafia (DIA), órgão do Ministério do Interior da Itália responsável pelo monitoramento das principais organizações mafiosas do país.
No documento, divulgado em maio, o Brasil é citado 26 vezes e aparece como uma das principais bases logísticas da máfia calabresa ’Ndrangheta para o envio de cocaína à Europa. O porto de Santos (SP) é apontado como ponto central de embarque de remessas de drogas que atravessam o Atlântico até desembarcarem em países como Itália, Bélgica e Holanda.
O relatório reforça o alerta de que organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) mantêm uma aliança operacional com a ’Ndrangheta, oferecendo infraestrutura local, proteção armada e acesso aos portos brasileiros em troca de divisão de lucros e rotas.
A cooperação com o Brasil é considerada estratégica. “A América Latina segue como principal ponto de origem da cocaína enviada à Europa. No contexto latino-americano, o Brasil ocupa posição de destaque pelas suas conexões internas e sua rede de portos em expansão”, diz o relatório da DIA.
Lavagem de dinheiro e presença silenciosa
A Polícia Federal monitora, há pelo menos seis anos, a atuação de células ligadas à máfia calabresa em estados como São Paulo, Rio Grande do Norte e Paraíba. A presença, segundo investigadores, se dá de forma indireta: sem sinais ostensivos de ocupação ou controle territorial, mas por meio de acordos com operadores financeiros e o uso de empresas de fachada.
“Eles não aparecem como donos. Compram, operam e reinvestem. O mais comum é que os italianos estejam envolvidos na cadeia financeira, não na distribuição direta da droga”, afirma um delegado da PF sob condição de anonimato.
O sistema envolve casas de câmbio, empresas de criptomoedas e empreendimentos no setor de construção civil. De acordo com informações de investigações em andamento, a lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico pode ter superado R$ 12 bilhões entre 2018 e 2024.
Brasil na rota da cocaína
Dados levantados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2023 apontam que o volume de cocaína interceptado em portos brasileiros com destino à Europa aumentou 208% entre 2017 e 2022. Apenas em 2022, mais de 50 toneladas da droga foram apreendidas em cargas que saíram de terminais brasileiros com destino aos principais portos do continente europeu.
Santos (SP), Paranaguá (PR) e Suape (PE) aparecem como os principais pontos de saída. A localização estratégica, aliada à expertise logística do PCC e à presença de contêineres mistos (com produtos legais e ilegais), tornam os portos brasileiros alvos frequentes da cooperação entre máfias europeias e o crime organizado nacional.
Cooperação internacional como desafio
Fontes do Ministério da Justiça admitem que a cooperação internacional é hoje o principal instrumento para frear a consolidação dessas redes. A PF mantém intercâmbio de informações com autoridades italianas, belgas e holandesas, mas há entraves burocráticos que retardam o compartilhamento de provas e ordens de prisão.
Uma autoridade envolvida nas tratativas, que pediu anonimato, explicou que a capacidade das máfias italianas de operar com discrição dificulta a atuação repressiva. “Eles não agem com violência. Agem com dinheiro. Entram como investidores, se associam a brasileiros e, quando há detecção, já está tudo em nome de terceiros”, diz.
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