O Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou preocupação com a tramitação de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF), que busca permitir a realização do aborto legal por profissionais não médicos. A entidade alerta para os riscos à saúde da mulher, caso a medida seja aprovada.
Atualmente, conforme o Código Penal Brasileiro (CPB), o aborto não é punido quando praticado por um médico, nos casos em que não há outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro, desde que a mulher ou seu representante legal consinta. Já no entendimento firmado pelo STF na ADPF 54, a interrupção da gravidez também foi autorizada em casos de fetos anencéfalos.
O CFM argumenta que a exigência de um médico para realizar o procedimento existe justamente para garantir a segurança da paciente e prevenir complicações médicas. A proposta que tramita no STF visa permitir que outros profissionais de saúde, sem formação médica, realizem abortos nos casos já previstos na legislação.
Diante desse cenário, a reportagem consultou especialistas em saúde e direito para analisar os impactos da proposta.
Saúde: riscos médicos do aborto sem assistência especializada
Para o ginecologista e obstetra Dr. João Silva, a proposta pode comprometer a segurança das mulheres que buscam o aborto legal no Brasil.
“Mesmo quando realizado dentro das normas legais, o aborto pode apresentar riscos, como hemorragias e infecções. O médico tem formação para lidar com essas complicações de forma adequada. Transferir essa responsabilidade para profissionais não médicos pode aumentar a mortalidade materna.”
A especialista em saúde pública Dra. Maria Oliveira reconhece que há uma necessidade de ampliar o acesso ao aborto legal, principalmente em regiões com escassez de médicos. No entanto, ela destaca que a mudança deve ser feita com planejamento.
“É essencial garantir que qualquer profissional que venha a realizar um aborto tenha treinamento adequado. Além disso, o acesso à infraestrutura de emergência é fundamental para evitar complicações graves.”
Segundo os dados do Ministério da Saúde, entre 2023 e 2024, mais de 250 mil mulheres foram internadas em hospitais públicos devido a complicações decorrentes de abortos realizados sem segurança. Para especialistas, essa estatística pode aumentar caso a regulamentação não seja feita com critérios rigorosos.
Impactos jurídicos: mudanças na legislação e insegurança jurídica
O advogado criminalista Dr. Pedro Almeida ressalta que, caso a ADPF seja aprovada, haverá um conflito jurídico com o Código Penal, que determina que apenas médicos podem realizar abortos nos casos permitidos.
“O Código Penal deixa claro que o procedimento só pode ser realizado por médicos. Se a decisão do STF for contrária a esse entendimento, será necessária uma mudança na legislação, o que pode abrir brechas para judicialização e questionamentos futuros.”
A advogada especialista em direitos humanos Dra. Ana Costa destaca que a questão vai além da segurança jurídica e envolve o direito das mulheres ao acesso ao aborto legal e seguro.
“A restrição do aborto legal a médicos muitas vezes inviabiliza o acesso em diversas regiões do Brasil, principalmente nas periferias e no interior. Ampliar a possibilidade para outros profissionais de saúde pode facilitar o atendimento a mulheres que já têm o direito ao aborto garantido.”
O relato de quem já passou pelo aborto
W.A.L., de 29 anos, que não quis se identificar, realizou um aborto na adolescência, em Palmas, antes de completar 18 anos. Na época, a gravidez foi resultado de um estupro, mas ela enfrentou dificuldades para conseguir assistência legal e segura.
“Foi uma situação extremamente difícil. Fui de hospital em hospital, e ninguém queria me atender. No fim, precisei recorrer a um método clandestino, e quase morri. Se houvesse um atendimento mais acessível, minha história poderia ter sido diferente.”
Para especialistas, a falta de assistência adequada faz com que muitas mulheres recorram ao aborto clandestino, mesmo quando têm direito ao procedimento de forma legal.
O que esperar do STF e os próximos passos
O STF ainda não tomou uma decisão sobre a ADPF que propõe a ampliação do aborto legal para profissionais não médicos. O Conselho Federal de Medicina aguarda o devido processo legal, mas alerta que a mudança pode colocar a vida de milhares de mulheres em risco.
A discussão continua dividindo opiniões entre especialistas da área médica, jurídica e social, enquanto o Supremo deve analisar a questão nos próximos meses. Até lá, o acesso ao aborto legal no Brasil segue limitado aos casos previstos no Código Penal, exclusivamente sob responsabilidade de médicos.
O Ministério da Saúde e o STF foram procurados para comentar sobre o andamento da ADPF, mas até o momento não responderam. O espaço segue aberto.
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